Caso Pedro do Tinder: o que procuras aqui?

“Então, isto é para casar ou é um rala e rola?”, não há tempo a perder. O Pedro, ao ler um livro, provavelmente salta para a última página só para ver se corre tudo bem.

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Caso Pedro do Tinder: o que procuras aqui? Getty Images / Crispin la valiente
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“O que procuras aqui?”, pergunta-me o Pedro, de 26 anos. Não, isto não é uma passagem bíblica, mas foi com certeza retirada de outro best-seller: o manual Como Engatar Nas Dating Apps. E, se este livro não existe, isso só torna ainda mais suspeita a repetição religiosa deste início de conversa. No mundo do namoro online, o normal é ter spoilers?

Parece que irias estragar a experiência do outro se não anunciasses logo no teu perfil qual é a tua intenção. Isto pode chatear algumas pessoas adeptas da tendência “meeting your husband in the wild”, eu sei. Mas, sendo honesta, nada nestas aplicações promete ser natural. Não andas por aí a ver pessoas com placas do tipo: “Mariana, 26. Não gosta de política. Fuma socialmente.” Está mais próximo do eBay do que um meet-cute num café — até porque, sim, a Mariana está à espera da oferta mais alta.

Mas, voltando ao Pedro. O que procura? Depois de saber o nome, idade e trocar cordialidades (“tudo bem? Está tudo!”), ele está pronto para a seguinte e mais evidente questão: “Então, isto é para casar ou é um rala e rola?”. Não foi o que disse, mas foi o que quis dizer, porque não há tempo a perder. O Pedro, ao ler um livro, provavelmente salta para a última página só para ver se corre tudo bem. Não há nada de errado nisso. Se ele vai mesmo perder alguns dias da vida dele, que saiba então se vai acabar na Conforama a escolher o roupeiro que melhor organiza os teus vestidos e as “sweats” dele.

Seria bom se fosse tão simples quanto isso: perguntas, querem o mesmo e saltitam para o horizonte, de mãos dadas. Convenientemente, foi o bastante! Calhou gostarem das mesmas bandas e quererem a mesma quantidade de filhos. Ou não concordam em nada, nunca vão a um concerto e um dos dois chora ao passar em frente a uma creche.

O Pedro, no fundo, é um optimista. Está a pedir pouco, só quer saber o futuro. Se não fossem as aplicações, provavelmente perguntaria à miúda gira que viu na discoteca: “Antes de mais, Ana, onde é que te vês daqui a cinco anos?” Pensando bem, talvez ele o faça. Mas vê lá, podia ser mais difícil! Diz lá, Ana, como é que tu achas que te encaixas nesta empresa? Qual é o teu maior defeito? Ele só quer saber se estás pronta para o emprego, pois é uma vaga concorrida.

E, vendo as opções, antes os Pedros do que os outros, aqueles que não sabem bem o que querem, e que se tu perguntasses — e eles fossem sinceros — diriam que só querem que percas o teu tempo. Mas, como coragem é algo que falta, fazem um rebranding de tudo só para não admitir as coisas. Sair com alguém? Não! Beber um café, talvez, quando puderes, se quiseres. Namorar? Nunca! E se ao fim disto tudo esperavas algo, então não soubeste ler nas entrelinhas o desinteresse. Para ele, o terror de dar o nome às coisas como elas são. Para ti, o suspense de esperar que alguém amadureça e mude. Spoiler: não vai mudar.

Às vezes os “outros” vêm disfarçados de Pedros. Eles perguntam-te o que querem e depois dizem que querem “ver onde vai dar”. Ou que procuram por “algo casual, mas que pode ser sério”. Ou qualquer outra versão vaga desta confissão. Mas, se por algum acaso lhes disseres “eu quero um relacionamento sério”, eles fogem. No fundo, era isso que eles queriam mesmo saber: se havia risco de se comprometerem com algo, de serem responsáveis por alguma coisa.

Há que se admitir que, perguntando ou não, ambos deixam claro que não lêem. Está escrito debaixo da “bio” o que procuras, o que não é um exagero: as aplicações permitem (e aconselham) que digas logo o que queres. Os Pedros passaram essa parte à frente, ou querem fazer fact checking. A não ser que, com a questão, esteja a querer saber o que procuro neste planeta, pois neste caso eu diria que quero a paz mundial e uma AirFryer. Já os outros, bem, eles não querem saber a resposta a essa pergunta, desculpa.

Então, e como é que se lida com isto? Sendo honesto: procuras pelo Harry Styles ou pela Dua Lipa. Aceitas algo parecido.


As histórias desta crónica partem das experiências reais da autora, cujo verdadeiro nome fica reservado para as apps.

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