Proteção do solo: um ano passou, nada mudou

A degradação ambiental do solo é até agora invisível e os problemas são de complexa e dispendiosa resolução. A ambição, por enquanto, fica-se pelos desejos políticos.

No dia 5 de dezembro de 2023, comemorou-se o Dia Mundial do Solo. É fácil perceber que não há vida humana sem solos equilibrados e produtivos, mas esta efeméride, tal como os aniversários e as passagens de ano, tem esta vantagem de forçar a reflexão sobre o tema. E, portanto, foi isso que fizemos no centro de investigação de que faço parte, com conclusões desanimadoras. Quem se dedica a estudar problemas ambientais está habituado à perplexidade que gera o contraste entre aquilo que a ciência nos diz sobre as consequências do nosso modelo socioeconómico (a contínua degradação do suporte de vida na Terra) e as decisões político-jurídicas que tomamos (soluções tímidas e lentas, de duvidosa razoabilidade). Esta desagradável sensação é reforçada quando nos dedicamos a compreender os problemas do solo e as regras que (in)existem para a sua proteção.

Fazendo uma brevíssima e simplista listagem de funções ambientais, sociais e económicas que o solo desempenha diariamente nas nossas vidas, diremos que o solo é a base de praticamente toda a atividade humana. Dá-nos alimento, é fonte de matérias-primas e é um suporte essencial de ecossistemas, filtra e transforma substâncias, incluindo a água, é o nosso suporte físico e o arquivo de toda a história, absorve e captura substâncias várias, incluindo as causadoras de alterações climáticas.

Passemos agora para o diagnóstico da qualidade do solo feito pela Agência Europeia do Ambiente. Só na Europa, há 2,8 milhões de locais contaminados, mas apenas 80.000 foram remediados. No que toca às atividades agrícolas, 60% a 75% dos solos estão desequilibrados, mais de 80% dos solos contém pesticidas e 58% contém mais de um tipo de resíduos. Todos estes fatores estão, isolada ou conjuntamente, e direta ou indiretamente, associados a doenças, à crise da biodiversidade e a insegurança alimentar. Além da contaminação, há ainda várias outras causas de degradação igualmente graves da capacidade ecológica e produtiva dos solos.

Num cenário destes, um cidadão assumiria, com justeza, que a política e o direito estão atentos e têm solução, ou, pelo menos, estão com afinco à sua procura. Afinal de contas e com as devidas diferenças, já foi há 50 anos que a tragédia Love Canal acordou os Estados Unidos da América para a realidade da ausência de regulação ambiental que permitiu impactos dramáticos na saúde humana. E, de facto, as estratégias de proteção do solo sucedem-se e multiplicam-se e, em novembro de 2021, a Comissão apresentou a Estratégia Europeia do Solo para 2030, com objetivos ambiciosos.

Mas a ambição, por enquanto, fica-se pelos desejos políticos. Quanto ao direito, a proposta de diretiva relativa à monitorização e à resiliência do solo que a Comissão apresentou, em julho de 2023, é – eufemisticamente – minimalista. Certamente que na ligeireza da proposta pesou a memória do bloqueio que vários países fizeram em 2007 à proposta de diretiva quadro sobre qualidade do solo. Os argumentos jurídicos de então são conhecidos: os problemas ambientais do solo deveriam ser tratados por cada Estado, e não pela União Europeia. Também são conhecidos os argumentos económicos: a resolução do passivo ambiental do solo, diariamente acumulado, é caríssima. E todos sabemos as voltas palacianas que a proposta de Regulamento relativo à Restauração da Natureza já levou, com as preocupações relativas à segurança alimentar alegadas pela indústria agropecuária, precisamente um dos setores com maior impacto na qualidade ambiental do solo.

A degradação ambiental do solo é até agora invisível e os problemas são de complexa e dispendiosa resolução. Tudo isto explica – justifica? – o desertificado panorama legal. Iremos, por isso, questionar novamente no dia 5 de dezembro de 2024 se mais um ano passou e nada mudou no direito da proteção do solo?

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