No País dos arquitectos: M.Ou.Co. Hotel
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No 74.º episódio do podcast “No País dos Arquitectos”, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com os arquitectos Luís Barbosa e Silva e Susana Leite, do atelier Arquitectos Aliados, sobre o M.Ou.Co., no Porto.
Mais do que um hotel, o M.Ou.Co. é um espaço cultural com uma relação directa com a música. Os arquitectos recordam que “o foco inicial” não passava pela criação de uma unidade hoteleira, mas sim pela construção de uma residência de estudantes: “A música estava fora do âmbito do programa”, lembra a arquitecta Susana Leite. Já numa fase avançada, é alterada a premissa original do projecto: “O cliente gostava muito de música e (...) surgiu a possibilidade de juntar tudo: o alojamento (...) com uma sala de espectáculos”, conta Luís Barbosa e Silva.
O objectivo do programa passava por reabilitar uma antiga fábrica de componentes eléctricos e transformá-la num novo espaço cultural e hoteleiro: “Era uma fábrica muito descaracterizada. (...) Mantivemos a fachada e o resto foi demolido. (...) A intenção foi fazer novos volumes que (...) mantivessem o carácter industrial que está presente em toda a área de Campanhã”, contextualiza a arquitecta. A estrutura da fábrica foi reaproveitada e reproduzida em três volumes. Nesse processo, foram aplicados materiais como o betão, o tijolo e a madeira: “[Pretendíamos] que o M.Ou.Co. fosse lido como um projecto único, independentemente dos seus usos diferenciados e, portanto, recorremos a materiais que dessem essa continuidade”, refere Susana Leite.
A arquitecta fala também sobre a afinidade que houve entre o atelier e o cliente e explica como a relação com a música foi benéfica para responder aos desafios do M.Ou.Co.: “A música é sempre uma parte muito importante da nossa vida e do nosso percurso também, enquanto arquitectos. (...) E isto foi uma das coisas que – quando o cliente nos transmitiu e o projecto se desenvolveu para essa temática – nos apaixonou de imediato e a que nos dedicámos totalmente porque é um tema que apreciamos. (...) Havia esta empatia que ajudava a que todas as ideias se fossem desenvolvendo.”
Actualmente, o projecto integra o hotel, a sala de espectáculos (“que pode ir até 400 lugares”), salas de ensaio, restaurante, bar e uma “fonoteca”, com discos e instrumentos disponíveis para os hóspedes: “Os próprios quartos têm essa relação com a música. Em todos os quartos há aparelhagens e leitores de vinis instalados. (...) [Queríamos] que as pessoas entrassem em contacto directo com a música. [Não pretendíamos que o hotel] fosse aquele mundo aparte com dois programas autónomos, mas que os dois programas se fundissem”, descreve a arquitecta.
À luz deste pensamento, o arquitecto Luís Barbosa e Silva revela como o edifício se abre à cidade e dialoga com a comunidade local: “O edifício não tem porta. Entra-se por um pátio que é uma espécie de praça. (...) Ao contrário de um hotel comum que apenas tem um café que as pessoas podem usar – e não podem entrar mais porque [existem] zonas muito reservadas –, ali praticamente todo o edifício a nível do piso térreo e do piso no -1 (que é uma cave) é aberto ao público.”
O M.Ou.Co. também inclui uma área dedicada à saúde do músico (uma vertente terapêutica que visa corrigir a postura que é assumida a tocar determinados instrumentos e cuidar do bem-estar mental dos artistas). Trata-se de um conceito que surgiu numa fase posterior do projecto desenvolvido pelos arquitectos: “A partir do momento em que a música entrou dentro do programa, o cliente criou uma equipa que foi desenvolvendo depois também essa parte. (...) O conceito é novo em Portugal. Acho que não existe uma situação semelhante. (...) A ideia, no fundo, é que os músicos sintam ali uma casa onde se possam apoiar”, informa Susana Leite.
Esta “casa” situa-se naquela que foi outrora a parte mais negligenciada do Porto: Campanhã. O arquitecto Luís Barbosa lembra como têm surgido vários projectos nesta zona oriental da cidade nos últimos anos e deixa uma sugestão para quem ficar hospedado no Hotel M.Ou.Co.: “Aquilo que eu acho interessante ver à volta é a cidade do Porto na sua verdadeira acepção da palavra. (...) Há um espírito de cidade que noutras zonas, infelizmente, já se perdeu. Em Campanhã [têm-se] transformado habitações em locais dignos, mantendo as pessoas lá. Aquele espírito de bairro – que conhecíamos noutros pontos da cidade, que foram completamente transformados – ali mantém-se. Penso que percorrer aqueles bairros é uma experiência diferente.”
Para saber mais sobre o M.Ou.Co. e como o edifício se abre à cidade, estabelecendo não só uma relação com os músicos, mas também com a comunidade local, ouça a entrevista na íntegra.