Habitar Lisboa: onde estão os arquitectos?

Entre peças multimédia e gráficos tridimensionais, Habitar Lisboa é falada a várias vozes, colocando a arquitectura em diálogo com outras áreas de conhecimento.

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Megafone P3: Habitar Lisboa: onde estão os arquitectos? Nuno Ferreira Santos
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A exposição que acaba de se inaugurar na Garagem Sul do CCB traz luz ao fundo do túnel sobre um tema que tem trazido pessoas à rua. Entre o calor das manifestações e o risco de exclusão, o direito à habitação continua a ser dos mais frágeis, mesmo depois de 49 anos de democracia.

É destes anos que falam os projectos na exposição, e também nos últimos anos do Estado Novo: foram obras que resistiram à passagem do tempo, ou que estão por ser habitadas. Com edifícios tão sólidos, como é possível que o direito à habitação ainda seja tão frágil?

Entre maquetas e desenhos de arquitectura, descobrem-se os espaços que as famílias habitam, suporte de diversidade. A Pantera Cor de Rosa, conjunto edificado desenhado por Gonçalo Byrne em Chelas, mostra sinais do desgaste do tempo. Em fotografias actuais, sublimes, aparecem imensas formas de betão, de expressão brutalista, tomadas pela fúria dos elementos.

Entretanto, atravessam-se no olhar imagens de bairros bem conhecidos, de Alfama a Telheiras: a cidade é prolífica em boa arquitectura, sem que os próprios arquitectos saibam quem pensou cada projecto. Os espaços melhor conseguidos, mais habitados, ganham assim um estranho anonimato, em que a dimensão autoral se funde nas vivências e nas memórias de cada lugar.

É disso exemplo o edifício da Coociclo, desenhado pelos Promontório, em Telheiras, à vista de todos, até para quem passa na 2ª Circular. Ou não fosse a sua maqueta vagamente familiar.

A qualidade da habitação também está na capacidade de cada família a identificar como sua. E o projecto no bairro Boavista, projecto dos arquitectos Alexandre Dias, Bruno Silvestre e Luís Spranger, na freguesia de Benfica, é disso exemplo.

As fotografias mostram habitações com retratos de família e objectos que certamente terão as suas histórias. Imagens assim mostram a segurança de quem não se quer prender ao momento do fim das obras, mas sim, da obra que se quer entregar às famílias que a habitam.

Entre peças multimédia e gráficos tridimensionais, Habitar Lisboa é falada a várias vozes, colocando a arquitectura em diálogo com outras áreas de conhecimento, da geografia à sociologia. Seria, contudo, uma oportunidade para também dar mais voz a quem habita os bairros, sem tabus.

Dar voz aos habitantes alarga a dimensão sonhada, comum aos vários projectos, uma dimensão "absolutamente fundamental" para construir cidade, a que alude a curadora Marta Sequeira.

Atribuir tanta casa sem gente a tanta gente sem casa? Vai levar tempo. Mas a exposição Habitar Lisboa aponta vários caminhos a possíveis.

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