Farmácias: a “não-porta” do Serviço Nacional de Saúde

Quem sai da farmácia para outros níveis de cuidados de saúde da rede SNS, seguindo o aconselhamento dos farmacêuticos, não vai referenciado nem incluído no sistema.

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Os farmacêuticos, e as farmácias comunitárias, têm reiteradamente mostrado a sua disponibilidade para contribuir para a sustentabilidade de todo o sistema de saúde português, no entanto continuam a ser deixados no banco de suplentes.

Veja-se o caso do projeto-piloto “Ligue antes, salve vidas”, que visa reduzir a utilização inapropriada ou evitável dos serviços de urgência dos hospitais. Sucintamente, pretende-se que os utentes, face a um problema de saúde não urgente, utilizem a linha SNS 24 antes de se dirigirem às urgências, e assim sejam triados os casos mais emergentes e encaminhados para o local mais adequado dentro da rede SNS. As farmácias estão envolvidas neste projeto no sentido em que irão funcionar como canais de promoção e divulgação da iniciativa. Nada mais.

Quantos de nós já ouvimos o chavão “as farmácias são a porta de entrada do SNS”? Querem maior prova de como esta frase não tem cabimento?

Os farmacêuticos comunitários são os profissionais de saúde mais próximos e disponíveis para as populações que servem. São também merecedores da sua confiança, e é por esse motivo que muitas vezes são o primeiro profissional a quem recorrem com qualquer problema ou questão de saúde. Os farmacêuticos tentam sempre ajudar a quem eles recorre, aconselhando e indicando tratamentos, sejam farmacológicos (não sujeitos a receita médica) ou não, para as situações mais ligeiras, e sugerindo a procura de assistência médica adequada nos casos que entendem necessitar de maior atenção. Contribuem assim para a redução da pressão nos serviços de saúde primários e de urgências. No entanto, visto as farmácias não integrarem o SNS, quem de lá sai para outros níveis de cuidados de saúde da rede SNS, seguindo o aconselhamento dos farmacêuticos, não vai referenciado nem incluído no sistema.

Portanto, ao invés de se aproveitar um hábito já instituído, ao integrar uma rede de farmácias com uma abrangência geográfica notável, onde os utentes já acorrem à procura de assistência e triagem junto de profissionais de saúde mais que qualificados e competentes para tal (e habituados a prestar o serviço!), opta-se por uma via mais distante e impessoal, e coloca-se a tal rede e profissionais ao serviço da divulgação. Não faz sentido.

Não sendo esta uma questão de falta de qualificação ou competência dos profissionais, nem dos locais onde prestam serviço, só pode ser uma questão de ideologia ou desconhecimento daquilo que um farmacêutico faz e pode fazer pela saúde dos utentes e pela sustentabilidade do sistema de saúde português.

Esta e outras intervenções dos farmacêuticos têm resultados práticos e efetivos já demonstrados noutros países, onde uma implementação conjunta e com maior integração dos diferentes intervenientes em saúde, sem obstáculos ideológicos, técnicos ou científicos, resulta em ganhos em saúde comprovados das populações e poupanças nos sistemas de saúde.

Em Portugal, as farmácias e os farmacêuticos comunitários, apesar de não fazerem parte do Serviço Nacional de Saúde, estão num ponto absolutamente central do sistema de saúde português, funcionando não como uma porta de entrada para o SNS, mas sim como uma porta rotativa por onde os utentes passam centenas, se não milhares de vezes, nos seus percursos em saúde: quando têm um problema ou questão de saúde, quando levantam a sua terapêutica e em todas as suas sucessivas renovações e ajustes. Não integrar e oficializar a sua atividade com diferentes níveis de cuidados de saúde, seja pela triagem e referenciação, ou como pontos de monitorização e acompanhamento das terapêuticas, é um enorme desperdício para a saúde de todos nós.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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