A espera pelos dados de saúde…

Será que em Portugal teremos de aguardar por uma iniciativa europeia para que uma necessidade, há tanto tempo apontada pelos farmacêuticos, seja atendida?

Até 26 de Julho encontra-se em consulta pública, aberta a todos os cidadãos da União Europeia, a iniciativa Espaço Europeu de Dados de Saúde da Comissão Europeia. Esta iniciativa prioritária faz parte da estratégia “Uma Europa preparada para a era digital”, que contempla a transição digital da saúde e dos cuidados.

Segundo a Comissão Europeia, a transição digital deve beneficiar todos, colocando os cidadãos em primeiro lugar e criando novas oportunidades para as empresas, especialmente na saúde. O Espaço Europeu de Dados de Saúde “visa aproveitar ao máximo o potencial da saúde digital para prestar cuidados de saúde de elevada qualidade, reduzir as desigualdades e promover o acesso aos dados de saúde para fins de investigação e inovação sobre novas estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento”, bem como para a elaboração de políticas no domínio da saúde. Ao mesmo tempo, deverá assegurar que as pessoas têm controlo sobre os seus dados pessoais, com bases transparentes e salvaguardando os interesses dos cidadãos segundo o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

Assim, a Comissão Europeia assume ser necessário colocar os cidadãos em primeiro lugar e reconhece que as pessoas precisam de dispor dos instrumentos adequados para gerir os seus dados de saúde. Instrumentos esses que deverão permitir-lhes consultar os seus dados de saúde e partilhá-los com os profissionais de saúde ou outras entidades da sua escolha. Tal irá fazer com que seja mais fácil receber cuidados de saúde adequados, incluindo no estrangeiro.

Posto isto, no seguimento dos temas que tenho abordado, será que em Portugal teremos de aguardar por uma iniciativa europeia para que uma necessidade, há tanto tempo apontada pelos farmacêuticos, seja atendida?

O reconhecimento de que o acesso, partilha e integração dos dados dos utentes é uma necessidade para a prestação equitativa de melhores cuidados de saúde por parte da União Europeia, deveria estimular os decisores políticos a melhorarem as estruturas e processos existentes. Entender que este acesso pode contribuir para a transformação e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, promovendo simultaneamente a saúde das pessoas e permitindo uma medicina personalizada, deveria levar à agilização dos acessos, pois os dados são das pessoas e a decisão de os partilhar com os seus prestadores de cuidados também.

A pandemia de covid-19 levou a alguns passos nesse sentido, sendo agora “normal” partilhar alguns dos nossos dados de saúde, nomeadamente resultados de testes e certificados de vacinação. Ao mesmo tempo, a pandemia de covid​-19 levou a muitas condicionantes na prestação de cuidados de saúde presenciais, já largamente debatidas mas não solucionadas, sendo que muitas não se colocariam existindo canais de comunicação eficazes entre prestadores de cuidados de saúde e ferramentas interoperáveis de acesso aos dados de saúde do utente.

Para os farmacêuticos, nas farmácias ou noutros locais onde prestem cuidados de saúde, o acesso aos dados clínicos permitiria prestar um melhor serviço às pessoas no que diz respeito à segurança, uso racional da medicação, adesão e reconciliação da terapêutica, bem como um melhor e mais próximo acompanhamento do resultado das terapêuticas instituídas, permitindo a prestação de cuidados integrados e personalizados. A possibilidade de inserir informação nos processos – e, assim, criar um canal de comunicação bidirecional eficaz – permitiria dar feedback das intervenções e evolução dos parâmetros de saúde relevantes aos outros profissionais de saúde, conseguindo-se assim um acompanhamento mais próximo e uma melhor gestão da saúde da pessoa.

Os ganhos em saúde deste acesso são, potencialmente, enormes. A poupança de recursos humanos e financeiros, a médio e longo prazo, com a deteção e correção atempada de problemas relacionados com a medicação, e assim evitando-se consultas e hospitalizações, é também potencialmente enorme. Mesmo a curto prazo, garantindo o uso racional da medicação e a adesão à terapêutica, evitar-se-ia desperdícios de medicação, situações de abuso de medicamentos, de consultas médicas apenas para renovação de linhas de prescrição…

A Europa está a percorrer este caminho: mais cedo ou mais tarde todos nós teremos acesso aos nossos dados de saúde e poderemos, por nossa vontade, partilhá-los com os nossos prestadores de cuidados. Num país que se quer inovador e pioneiro, sabendo que serão os cidadãos – e a sua saúde – quem irá assumir os custos inerentes dessa demora, porquê adiar e atrasar este processo?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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