Margarida, Manuel e Isaías têm mais de 70 anos e confessam-se dependentes das redes sociais
Não são só os mais jovens que podem ter um problema de adição em relação à Internet. Os mais velhos também são curiosos e conseguem passar horas frente ao ecrã. O PÚBLICO falou com uma especialista em sociologia do envelhecimento que desdramatiza esta questão.
A Internet veio estreitar distâncias e não é preciso ser jovem para agarrar num smartphone, explorar todas as suas aplicações e ficar dependente daquele mundo virtual. Margarida, 80 anos, confessa que por vezes se esquece dos clientes do seu café, quando pega no telemóvel. Manuel, 72 anos, já conheceu muitas pessoas que, se não fosse graças às redes sociais, jamais se cruzaria com elas. Já Isaías, 76 anos, não se deita sem ir ao Facebook, tornou-se um hábito.
Alexandra Lopes, especialista em sociologia do envelhecimento, considera importante que os mais velhos mantenham essas ligações. Estas servem para os manter activos e combater a solidão mas, claro, tudo com conta, peso e medida. Apesar de ser um “área pouco clara” pois é pouco estudada, trata-se de um fenómeno em crescimento, afirma a especialista, alertando para o cuidado a ter com as burlas. “À partida não há nada de especial no fenómeno que não seja igual àquilo que se tem estudado para a população adulta em geral – mas estamos a falar de uma geração que não cresceu com as redes sociais e que genericamente tem níveis de literacia informática inferiores, o que torna as pessoas menos capazes, muitas vezes, de fazer uma filtragem eficaz da informação”, avisa.
Margarida Lima, 80 anos: “Os clientes estão ali ao balcão e eu esqueço-me deles”
Tudo começou com um iPhone, prenda de uma das filhas. “Comecei a andar ali, às vezes o dedo não andava, mas com jeitinho cheguei lá”, confessa Margarida Lima, que diariamente, às 6h30, está acordada para abrir o Café Picôto em Gavião, Vila Nova de Famalicão. É assim há mais de 50 anos. “Tenho logo ali clientes a falar comigo, a fazer brincadeiras e eu também”, conta, acrescentando que convive muito no café mas também fora dele, nas redes sociais.
Embora declare que não percebe “nada” de tecnologia, tem conta no Facebook, no Instagram, além de utilizar o WhatsApp e o Messenger – este último principalmente para ligar para a filha que está na Suíça. A socióloga Alexandra Lopes revela que alguns estudos apontam como vantajosa a capacidade de saber usar as redes sociais, pelos mais velhos, para “manutenção de ligações significantes com aquelas com que não se consegue estar presencialmente mas que se consegue estar virtualmente”.
A plataforma preferida de Margarida é o Facebook. “Vejo algumas cusquices, se há um caso ou outro, acidentes aqui na terra”, exemplifica a seguidora assídua do GotTalent e BigBrother, programas televisivos que vê online. Alexandra Lopes explica que o fácil acesso às tecnologias e o aumento do nível de literacia informática podem justificar o crescimento do fenómeno das redes sociais na população mais velha. “Nem quero outra coisa agora, aquilo dá-me uma pica”, diz Margarida a rir. “Às vezes estou tão entretida aqui, que os clientes estão ali ao balcão e eu esqueço-me deles”, confessa.
A dona do café admite que não consegue passar um dia sem ir às redes sociais mas que não partilha muito da sua vida pessoal, nem fala com quem não conhece. “Sou viciada, é uma vergonha dizer isto, uma pessoa com 80 anos, mas é o que temos”, resigna-se, acrescentando que o telefone permite-lhe estar também mais próxima dos elementos mais novos da família. Desses, por vezes, houve queixas sobre as “coisas nojentas” que vê. “Vejo vídeos a tirar os calos dos pés e a tirar aquelas espinhas. Gosto de ver aquilo, pronto”, assume, admitindo que “mete nojo, mas está longe”, logo, não lhe faz confusão.
Manuel Caetano, 72 anos: “Tiro fotos a umas abóboras”
Natural de São Sebastião da Giesteira, Évora, Manuel Caetano descobriu o Facebook há quatro anos — “por curiosidade e para ver se me distraía também um bocadinho, gosto de ver, de manter contactos”. É a única rede social que usa porque não sabe “ver mais”, mas o “homem dos sete ofícios”, que trabalhou numa linha de montagem de automóveis, numa adega e como encarregado de uma empresa, adaptou-se “bem àquilo”. “O Facebook foi o que teve primeiro uma implantação mais generalizada, foi aquele que se popularizou e que se massificou mais cedo”, justifica Alexandra Lopes, referindo que depois de se habituarem a uma plataforma, a disponibilidade das pessoas para mudarem vai diminuindo ao longo da vida.
Com a ajuda da neta e das filhas, Manuel, de 72 anos, entrou no mundo dos grupos do Facebook desde que estejam centrados na “paixão alentejana, tudo ligado ao Alentejo, mais ou menos isso”. “Já conheci muitas pessoas que se não fosse o Facebook não conhecia”, comenta sobre os membros dos grupos que foi conhecendo e que, por consequência, deixaram de ser desconhecidos. “Agora também já somos amigos porque temos almoços — é a melhor coisa, mas agora não podemos”, lamenta-se Manuel, por causa da pandemia.
Apesar de criar amizades online, o reformado é cauteloso e só aceita pedidos de desconhecidos se forem “amigos de amigos”. A socióloga aponta que, desta forma, “as redes sociais podem funcionar um pouco como uma janela aberta para os outros e fomentar uma certa conexão”.
Como gosta de tratar da horta, só tem “mais vagar” ao final da tarde, altura em que dá “uma voltinha ao Facebook para ver o que se passou durante o dia”. É então que se torna mais activo naquela rede social. “Faço algumas publicações e partilho outras de que eu goste, que sejam de interesse. Às vezes há muitas coisas que não têm interesse nenhum”, constata. Por exemplo, Manuel gosta de ver publicações sobre as terras dos amigos e partilha-as, mas também gosta de partilhar imagens do seu trabalho. “Tiro fotos a umas abóboras, a umas coisas… vai-se fazendo isso para as outras pessoas verem o que cá tenho também”, orgulha-se.
Isaías de Matos, 76 anos: “Toda a gente tinha, por que é que eu não haveria de ter?”
Para Isaías de Matos, natural de Beça, Boticas, a entrada nas redes sociais começou por “curiosidade e aquela pressão social”. E explica: “Os meus amigos tinham, toda a gente tinha, por que é que eu não haveria de ter? Então, resolvi aprender.” Mas foi quando esteve internado com pneumonia que desenvolveu mais o dito vício, pois “tinha muito tempo, por estar na cama”.
No início com ajuda, Isaías, de 76 anos, começou pelo Facebook, onde era bastante activo, e mais tarde conseguiu “evoluir sozinho”. “Publicava algumas coisas, agora já me estou a desleixar mais”, conta, referindo que actualmente utiliza mais o Messenger. “Agora recebo [mensagens], respondo e pouco mais. Às vezes também me enviam algumas coisas e quando acho que devo enviar para outras pessoas que gostam daquilo, que conheço, também envio para elas”, partilha.
Além do telemóvel, que usa para aceder às redes sociais, também tem um tablet – oferecido pelo irmão que está no Canadá e com quem muitas vezes fala por videochamada — e dois computadores, enumera. Acidentalmente, já criou sete perfis no Facebook, o que acontece quando pensa que está a aceder à sua conta, quando na verdade está a criar uma nova. “Já apaguei uma sem querer”, conta entre risos. “Também quero ir para o Twitter e essas coisas, mas é preciso inscrever-me e não estou para isso”, queixa-se, pois prefere algo “simples”. E essa simplicidade encontra no Facebook. E se, por um lado, afirme que “não faz assim tanta falta”; por outro, confessa que acede àquela rede social todas as noites, que se tornou um “hábito”: “Se faltasse era capaz de sentir alguma coisa.”
No Facebook reencontra velhos amigos e família afastada. “De vez em quando aparece uma pessoa que me conhece, até ali para Beça, ou vejo [o apelido] Matos. Há alguns Matos espalhados, primos, já segundos primos”, exemplifica. Também já teve uma fase em que jogava Farmville ou outros jogos. Para a socióloga Alexandra Lopes há aspectos positivos nos jogos, no que à actividade mental diz respeito: “Existe ampla investigação que associa o jogo (não no sentido da aposta mas de jogar jogos) à manutenção das capacidades cognitivas por um período mais alargado.”
Texto editado por Bárbara Wong