Programas para roupa delicada usam mais água — e, por isso, libertam mais microplásticos

Ao contrário do que se pensava (e aconselhava) antes, lavar a roupa com programas para peças delicadas pode ser contraproducente. Quanto mais água usada, maior a libertação de microfibras para o ambiente.

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Afinal, os programas de lavagem de roupa delicada não são mais amigos do ambiente do que os restantes — na verdade, lançam mais microfibras de plástico para o ambiente do que os outros. Esta foi a conclusão do estudo de uma equipa de investigadores da Universidade de Newcastle, publicado na revista científica Environmental Science and Technology — e impressionou até os cientistas.

Ao contrário do que se pensava (e aconselhava) antes, lavar a roupa com programas para peças delicadas pode ser contraproducente. De acordo com a investigação desta equipa, apesar de usarem velocidades mais altas e mudarem mais vezes de direcção, os programas de lavagem mais “agressivos” também usam menos água, o que leva a uma menor quantidade de fibras libertadas na água escoada.

“As investigações anteriores sugeriam que a velocidade do tambor, o número de vezes que muda de direcção durante um ciclo e a duração das pausas no ciclo — coisas conhecidas como “a agitação da máquina” — são os factores mais importantes na quantidade de microfibras libertadas”, disse Max Kelly, da Universidade de Newcastle, um dos líderes da investigação, num comunicado de imprensa. “Mas o que demonstrámos é que, mesmo com níveis reduzidos de agitação, a libertação de microfibras é sempre maior quanto maior forem os rácios de volume de água para tecido.”

A temperatura da água e a duração da lavagem não têm a mesma influência na libertação de microfibras, indica o mesmo estudo, apesar de admitir que “pode haver um aumento [de microfibras libertadas] a temperaturas mais elevadas (60 graus Celsius)”. Já as lavagens rápidas de 15 minutos libertaram a mesma quantidade de microfibras do que lavagens de 60 minutos.

A principal conclusão desta investigação é que a quantidade de água usada na lavagem é mais importante para determinar a libertação de microfibras do que a velocidade e outros factores. É que, como explica ao The Guardian o professor Grant Burgess, microbiólogo marinho​ que fez parte da equipa de investigadores, com um volume de água maior, “a água é forçada a entrar mais na roupa e arranca fibras de poliéster dos têxteis”.

Para chegar a esta conclusão, a equipa de Newcastle mediu o número de microfibras libertadas de t-shirts de poliéster negras. Primeiro, testou-as em máquinas que imitavam as máquinas de lavar domésticas; depois usaram as máquinas de lavar verdadeiras do centro de pesquisa da Procter & Gamble.

Descobriram que os programas de lavagem de roupas delicadas usam o dobro da água e levam à libertação de mais 800.000 microfibras do que outros programas. As investigações anteriores indicavam que lavar fibras sintéticas na máquina pode libertar mais de 500.000 microfibras (até uma quantidade que pode ir aos seis milhões de microfibras) por lavagem, lê-se na introdução do estudo. “As nossas descobertas foram uma surpresa”, avaliou o professor Grant Burgess, ao Guardian. “Esperávamos que os programas para roupa delicada protegessem as peças e levassem à libertação de menos microfibras, mas os nossos estudos mostraram o contrário.”

“Se lavar a sua roupa num programa para peças delicadas, as roupas libertam muito mais fibras de plástico. Essas fibras são microplásticos, feitos de poliéster. Não são biodegradáveis e acumulam-se no ambiente.” O poliéster é um dos materiais preferidos da indústria da moda, que todos os anos produz mais de 42 milhões de toneladas de fibras sintéticas — sendo que 80% dessas fibras é ou usa poliéster.

Apesar de já haver máquinas de lavar roupa com filtros contra as microfibras, ainda há muitas que não o têm. Isso leva as microfibras para as centrais de tratamentos de água e, por vezes, para os oceanos. Este tipo de fibras já chegou aos locais mais inóspitos, do fundo do Oceano Pacífico ao gelo da Árctico.

Os efeitos da ingestão de microplásticos afectam a longevidade da vida marinha e a comunidade científica admite que alguns dos químicos tóxicos associados a esses plásticos podem ser nefastos para os animais. Posto isto, os autores do estudo deixam um conselho: adoptar “programas de lavagem com menos água” e “aumentar a carga de lavagem (o número de peças por lavagem)” irá “evitar quantidades substanciais de microfibras no ambiente”, lê-se na conclusão do estudo.

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