As indemnizações pela morte das vítimas da derrocada da EM255 - o Estado deve ser um “Segurador Universal”?

Esta decisão, tendo obviamente um pano de fundo jurídico, tem evidentes intuitos políticos.

O Conselho de Ministros aprovou ontem, por via eletrónica, a resolução que estabelece o procedimento de atribuição de indemnizações pela morte das vítimas da derrocada parcial da Estrada Municipal 255, em Borba, no passado dia 19 de novembro. A decisão aprovada em Conselho de Ministros está em linha com a perspetiva de responsabilização do Estado, no plano civil extracontratual, essencialmente por omissão dos deveres públicos de vigilância e fiscalização, que tenho defendido pública e recorrentemente, em casos como este, incluindo nas páginas deste jornal.

Por isso, nesse sentido, a decisão governamental é de aplaudir. A justificação em que assenta essa decisão é, porém, algo anacrónica e incoerente. Não se pode, a um tempo, começar por sustentar que "inexistiam indícios que ao Estado coubesse uma responsabilidade objetiva ou subjetiva emergente da derrocada da referida estrada municipal", e depois admitir que a "administração central poderá não ter prosseguido de forma diligente as atribuições de fiscalização da atividade das pedreiras que lhe estão cometidas", para acabar por se conceder, em contraciclo com a autoexclusão de responsabilidade inicialmente assumida, a possibilidade de existência de uma "responsabilidade indiciária, concorrente e indireta do Estado, por via da omissão de diligência no exercício dos seus deveres de fiscalização das pedreiras envolventes da estrada municipal."

De resto, essa responsabilidade in vigilando, a comprovar-se judicialmente, não seria indireta, como erroneamente se refere no comunicado do governo, mas antes partilhada e solidária, nos termos impostos pelo artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa e concretizados pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro. Desta forma, há aqui um claro juízo antecipatório, assumindo desde já o governo uma responsabilidade indemnizatória que, caso fosse dirimida nos tribunais administrativos, levaria anos a ser decidida. Nessa medida, esta decisão agora tornada pública, tendo obviamente um pano de fundo jurídico, tem evidentes intuitos políticos.

Cabe anda uma nota final para o claro “remoque” dado pelo governo ao município de Borba e às entidades seguradoras envolvidas, bem patente no excerto do comunicado "perante a ausência de qualquer ação por parte das entidades públicas ou privadas imediata e diretamente responsáveis", que nos parece dispensável. Como quer que seja, não obstante o anacronismo e o tom demasiado politiqueiro da fundamentação invocada, o governo fez o que devia ter feito. Resta esperar que, como infelizmente sucedeu em tempos mais distantes (ponte de entre os rios) ou ainda bem presentes na nossa memória (casos dos incêndios que devastaram o país), desta vez a culpa não fique solteira, e o apuramento de responsabilidades públicas e privadas vá mesmo até às últimas consequências. É tempo de abandonar de vez esta conceção do Estado como "segurador universal" de todas as mazelas sofridas pelo homem.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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