O interior derrotado pela esquerda parlamentar

Tal como as coisas estão a evoluir, perdemos todos. Este é um problema do Estado.

A história, a geografia, o comércio e o uso do solo levaram a que, no continente do País, ao longo do tempo e numa estreita faixa de terra no litoral, se viesse a concentrar a larga maioria da população, do emprego, da atividade económica e da riqueza.

60% da população residente do continente vive numa faixa costeira com 25 km de largura. Nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto concentra-se cerca de 45% dessa população. Quanto aos que têm menos de 25 anos, 82% vive no litoral e só 18% no interior.

Esta tendência vem-se agravando ao longo do tempo de forma assustadora. Entre 1960 e 2016, a população residente no litoral aumentou 52%, enquanto no interior diminuiu 38%.

Perante esta evidência, se nada for feito, o País vai continuar a perder por duas vias. O congestionamento do litoral vai exigir cada vez mais investimento em infraestruturas de todo o tipo, que nunca chegarão a ser suficientes para o afluxo populacional que continuará a ter como destino o litoral, com a consequente deterioração da qualidade de vida da população aí residente. Basta pensar no trânsito caótico. E o interior continuará a transformar-se numa zona cada vez mais abandonada. Estamos perante o caso típico de desperdício sobre desperdício. Tal como as coisas estão a evoluir em termos de ocupação do território, perde o litoral, perde o interior, perdemos todos. Este é um problema do Estado.

As tragédias do verão de 2017 pareciam ter despertado consciências adormecidas. Foram muitas as vozes, com origem em todo o lado, que apregoaram a necessidade inadiável de fazer qualquer coisa a favor das zonas mais deprimidas do País, o que em concreto significa conceber e executar políticas públicas que possam inverter a tendência fortemente negativa a que vimos assistindo.

Estamos perante um caso em que as políticas públicas só terão efeito em relação aos objetivos anunciados se forem capazes de criar a expectativa e a perceção para empresas e cidadãos de que vale a pena equacionar seriamente a hipótese de mudar de local de trabalho e de residência. Essa desejada mudança de perceção e expectativa só pode ser conseguida se essas políticas forem formatadas na base de um espírito de rotura em relação ao passado.

O Orçamento do Estado para 2019 surgia como uma grande oportunidade, que foi perdida. É certo que se verifica um aumento de grau quanto à sensibilidade sobre os problemas do “interior”, mas o tal necessário espírito de rotura é muito pouco expressivo. A desilusão é grande. O que acabou por ser aprovado é muito limitado.

O PSD apresentou 14 propostas, imbuídas de um adequado radicalismo, que iam no bom sentido. Entre outras, as seguintes: o Regime Contratual de Investimento (regime de apoios e incentivos a projetos de investimento superiores a 25 milhões de euros) passar a ser preferencialmente canalizado para o interior; reforçar os incentivos ao investimento quando localizados no interior; alargar o apoio do Programa Mais Superior, reforçando significativamente o número de bolsas para 3000 novas bolsas anuais – e alargando o seu âmbito de aplicação a estudantes não bolseiros em instituições de ensino superior que se localizem no interior; criar o Programa Erasmus+ Interior, destinado à mobilidade de estudantes do ensino superior público do litoral para o interior pelo período de um semestre letivo; comprometer o Governo a apresentar em 2019 um programa de deslocalização gradual para o interior de serviços públicos centrais; alterar o regime fiscal para residentes não habituais para que aqueles que se instalem no interior beneficiem de taxa de IRS de 15%; criar um programa de apoio a ações de promoção do livro e da leitura no interior.

Só uma arrogância sem limites e um sectarismo não compaginável com uma democracia saudável é que justifica que nem sequer uma destas propostas tenha sido aprovada.

O interior foi derrotado. Conhecem-se os algozes.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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