Cavaco diz-se disposto a ajudar Sócrates a cumprir quatro anos de legislatura

Foto
Cavaco acentuou que "a ausência de um apoio maioritário no Parlamento não é, por si só, um elemento perturbador da governabilidade". Nuno Ferreira Santos (arquivo)

O Presidente avisa o Governo, o primeiro-ministro avisa o Parlamento e ambos prometem lealdade e cooperação um ao outro mas também ao país. Tal como era previsível, as questões da responsabilidade e da estabilidade estiveram no centro dos dois discursos da tomada de posse do XVIII Governo, que ontem decorreu no Palácio da Ajuda, em Lisboa. Mas com sentidos diferentes.

Se ambos sublinham que estes valores se impõem a todas as instituições e agentes políticos, o primeiro-ministro deixa claro que não foi possível chegar a entendimentos com os restantes partidos com assento parlamentar. Embora sublinhe o "valor do diálogo político e social que é condição de estabilidade", Sócrates avisou que este Governo vai "cumprir o programa que o eleitorado sufragou".

E, para tal, pediu "sentido de responsabilidade" à oposição e respeito pela "esfera de competências própria do Governo na condução da política geral do país". Uma espécie de reedição do "deixem-nos trabalhar" do antigo primeiro-ministro Cavaco Silva face a eventuais coligações negativas no Parlamento.

Já o Presidente da República preferiu acentuar que "a ausência de um apoio maioritário no Parlamento não é, por si só, um elemento perturbador da governabilidade", nem implica "o adiamento das medidas" de que o país precisa. E faz o aviso: "Para qualquer Governo, o horizonte temporal da acção deve ser sempre o da legislatura." Algo a que o primeiro-ministro não se comprometeu no seu discurso, embora já tenha afirmado, no final das reuniões que fez com a oposição, que este era um governo para quatro anos.

Pela sua parte, Cavaco Silva faz uma declaração quase solene de que não será pela sua mão que este executivo não cumprirá os quatro anos de mandato. "Porque conheço bem as dificuldades que tem de enfrentar um governo minoritário, porque conheço bem as dificuldades que um Presidente da República pode colocar a um governo, serei sempre um referencial de estabilidade", garantiu.

Numa só frase, há toda uma herança histórica. O ex-primeiro-ministro alude ao seu primeiro Governo minoritário, entre 1985 e 1987, que acabou derrubado por uma moção de censura do extinto PRD, partido de inspiração presidencial. E também à sua segunda maioria absoluta, entre 1991-95, quando o então chefe de Estado, Mário Soares, teve uma acção que Cavaco apelidou de "força de bloqueio".

É neste contexto que Cavaco Silva retoma a sua promessa de cooperação, não só institucional mas também estratégica. Um conceito que o chefe de Estado inaugurou na sua tomada de posse e que ontem "ressuscitou", mas deixando claro que isso não o impedirá de agir e falar sempre que entender. Porque tem "o dever de dizer" o que pensa "nos momentos que considerar oportunos". Era a parte do discurso mais justificativa face às últimas semanas de polémicas em que garantiu a sua imparcialidade quanto aos partidos. "Não me movo por cálculos políticos", afirmou.

José Sócrates também teve uma palavra para a estabilização das relações entre as duas instituições, embora mais contida. "Renovo o empenhamento do Governo na cooperação institucional" [e só institucional] com o Presidente da República, declarou, reafirmando também "o respeito do Governo perante o Parlamento". Referiu-se ainda a um "novo sentido de responsabilidade" que os tempos "exigem de todos - Governo, instituições, forças políticas".

Já à saída da cerimónia, o ministro da Presidência, Pedro da Silva Pereira, voltou a insistir neste ponto. "A maioria relativa traz responsabilidades acrescidas a todos", sublinhou, acrescentando que "a responsabilidade deve ser partilhada, para que o país possa vencer os seus problemas".

Prioridade à economia

Se o Presidente da República tinha pedido, mais do que reformas, um rumo para o país, o primeiro-ministro não o fez esperar e enunciou o "rumo claro" nas três prioridades deste executivo: combater a crise, modernizar a economia e a sociedade e promover a justiça social.

"A recuperação da economia será o objectivo central da governação", afirmou Sócrates, sublinhando que o Estado "tem um papel determinante", no apoio ao investimento privado e às empresas, na defesa do emprego e no investimento público, "que ao mesmo tempo modernize o país, dê oportunidades às empresas e estimule a criação de emprego".

No capítulo da modernização do país, referiu-se a dois aspectos que não são novos na sua acção: a aposta nas energias renováveis e a extensão da escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Sem inovar, Sócrates limitou-se a justificar.

A terceira prioridade de Sócrates é a justiça social, referida em abstracto como "desenvolver as políticas sociais, qualificar os serviços públicos e reduzir as desigualdades". Neste quadro, o primeiro-ministro voltou a comprometer-se com os sistemas públicos de Segurança Social, Saúde e Educação, mas não avançou quaisquer medidas concretas.

Para dar conteúdo a estas prioridades, o novo executivo reuniu-se ontem pela primeira vez, para começar a preparar o programa de governo que tem de ser apresentado no Parlamento nos próximos dez dias.

Sugerir correcção
Comentar