Mobilidade? E o respeito?

O minutozinho de uns não vale mais do que o dos outros. E é por isso que, tenho para mim, a mobilidade não é só uma questão de transportes mas, primeiro, uma questão de respeito.

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Paulo Pimenta

Um dia, quando Portugal for mesmo um país desenvolvido, vamos, uma maioria de nós, perceber que o transporte público não é um serviço para os pobres que não têm carro ou dinheiro para atestar o depósito do veículo que guardam na garagem. Não toleraremos os chicos-espertos que usam a faixa bus ou que param o automóvel numa paragem de autocarro, impedindo o acesso de velhos e deficientes, nem os chicos menos espertos que teimam em estacionar em segunda fila para ir à padaria ou ao café – que é sempre só um minutozinho, dizem – enquanto o caos, na rua, vai crescendo na inversa da vontade de usar um transporte que nunca chega a horas a lado nenhum.

O minutozinho de uns não vale mais do que o dos outros. E é por isso que, tenho para mim, a mobilidade não é só uma questão de transportes mas, primeiro, uma questão de respeito: o respeito que não vejo também nos que continuam a usar, indevidamente, os lugares para deficientes nos parques de estacionamento onde existem; o respeito que não vejo nos que ocupam, com automóveis, os passeios para peões ou praguejam contra os ciclistas que cada vez mais, felizmente, lhes disputam um metro de estrada; o respeito que não vejo nas autoridades que fecham os olhos a isto, aceitando que o espaço público seja uma coutada de automobilistas insensíveis ao impacto dos seus actos na vida dos outros. E um respeito que não vejo até em alguns desses “novos” ciclistas, que conseguiram, e bem, que o Código da Estrada fosse alterado em seu favor, mas que continuam, em muitos casos, a não o cumprir.

Essa insensibilidade existe também nas entidades que garantem o transporte público. Esta semana, numa iniciativa da Área Metropolitana do Porto, usei uma linha de comboio abandonada pelas empresas do Estado, e que mal serve sequer para quem não tem outra opção. Vi uma garagem feita para guardar autocarros onde, no caso dos clientes, aguardar um autocarro, um minuto que seja, é um suplício, que pode ser maior se for necessário usar uma casa de banho. Vi uma falta de informação de tal ordem que cheguei a pensar se, para além de um pobre sem carro, um tipo precisa de ser iluminado para adivinhar onde pára, a que horas chega, por onde vai o transporte que precisa de apanhar. Numa era em que já seria possível dar esta informação em tempo real, mesmo empresas de topo se mostram incapazes de fornecer alertas eficazes em caso da avaria com impacto na circulação, como pude, mais uma vez, verificar esta semana, com o metro do Porto.

Há mudanças que se fazem com dinheiro, obras e tecnologia. Para outras é preciso vontade, e capacidade de compreender o papel de cada um neste sistema complexo em que a mobilidade é uma componente fulcral. Nem que fosse por isso, pelo respeito que precisamos de nos impor, já valeria a pena lutar por uma maior adesão à Semana Europeia da Mobilidade que esta quinta-feira termina com um pouco participado Dia Europeu Sem Carros. É pena que a maioria dos municípios portugueses não perceba a importância desta celebração para a promoção de uma urgente mudança de comportamentos por parte dos cidadãos e das empresas (Estado incluído) de transportes. E é pena que não saibamos, todos, aprender com o muito trabalho já bem feito, por alguns empresários do sector e governantes, locais e nacionais. Que os há, com olhos no futuro, a tentar mudar um país em que 70% de nós ainda não larga o carro por nada.

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