Advogados da Câmara de Lisboa dizem que esta deu abonos inválidos às chefias

O Departamento Jurídico detectou uma "violação de uma competência legal da assembleia municipal" no pagamento de despesas de representação aos dirigentes. Boa parte dos pagamentos foi feita quando Fernando Medina era vereador das Finanças e dos Recursos Humanos.

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António Prôa pediu “mais eficácia, mais transparência, mais respeito” no orçamento participativo Pedro Cunha

Os pagamentos feitos pela Câmara de Lisboa aos seus dirigentes a título de despesas de representação, entre meados de 2012 e o final de 2015, foram “inválidos” e “consubstanciaram a violação de uma competência legal da assembleia municipal”. A conclusão é do Departamento Jurídico da própria câmara, que defende que alguns dos vícios daí decorrentes já se encontram “sanados” e que os restantes actos podem ainda ser ratificados.  

Foi a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa quem solicitou ao presidente da câmara a emissão de um parecer jurídico sobre a atribuição de despesas de representação aos dirigentes. A decisão de Helena Roseta foi tomada depois de vários deputados da Comissão de Finanças da assembleia, com os eleitos do PSD à cabeça, terem levantado dúvidas sobre a legalidade dos pagamentos.

No centro da discussão está o facto de haver, desde Agosto de 2012, uma legislação que determina que a atribuição daquelas despesas “é da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal”.

No caso de Lisboa, os anos seguintes à entrada em vigor da Lei n.º 49/2012 foram passando sem que os órgãos autárquicos tivessem apreciado qualquer proposta nesse sentido. Uma situação que só mudou no fim de 2015, quando o vereador dos Recursos Humanos, João Paulo Saraiva, apresentou uma proposta que previa “a atribuição do abono de despesas de representação” em 2016, num valor que ascendia a 618 mil euros.

No parecer ao qual o PÚBLICO teve acesso, o Departamento Jurídico da câmara conclui que da ausência de deliberação da assembleia municipal nos anos anteriores “emerge desde logo a invalidade dos actos de atribuição e pagamento das despesas de representação”, acrescentando que esse é um “facto indiscutível”. Sendo assim, diz-se no documento, houve uma “violação de uma competência legal da assembleia municipal, que inquinou os actos que os corporizam do vício de incompetência relativa, por falta de competência”.  

“Todos os actos de atribuição, processamento e abono das despesas de representação aos dirigentes da CML foram erroneamente praticados”, constata-se, explicitando-se que estão em causa os factos ocorridos desde 30 de Agosto de 2012. Nessa data, os pelouros dos Recursos Humanos e das Finanças estavam nas mãos da vereadora Maria João Mendes, que no ano seguinte passou as pastas a Fernando Medina, actual presidente da câmara.

Consultando os últimos orçamentos da câmara, verifica-se que o montante pago aos dirigentes foi de 564,18 mil euros em 2012, de 580 mil euros em cada um dos dois anos seguintes e que subiu para 596,88 mil euros em 2015. Contas feitas (e tendo em conta que no ano de 2012 está em causa menos de metade do ano) conclui-se que os abonos atribuídos de forma inválida se aproximam dos dois milhões de euros.

Segundo o Departamento Jurídico da autarquia, “a anulabilidade” é a sanção prevista na lei “para os actos inquinados pelo vício de incompetência relativa”. Mas alguns dos vícios detectados, nota o advogado autor do parecer, encontram-se “sanados” por terem sido praticados há mais de um ano, o que faz com que tenha chegado ao fim o “prazo de impugnação contenciosa”. Quanto aos mais recentes, considera-se que eles são susceptíveis de “ratificação” pela assembleia municipal.   

Face a isso, o vereador João Paulo Saraiva vai propor à câmara, na reunião da próxima quarta-feira, que submeta à assembleia municipal a “atribuição do abono de despesas de representação aos titulares dos cargos de direcção superior de 1.º grau e de direcção intermédia de 1.º e 2.º graus”. Os primeiros receberão um valor mensal de 778,66 euros, os segundos de 312,02 euros e os últimos de 195,36 euros.

O autarca propõe ainda a “ratificação” dos actos de atribuição praticados há menos de um ano, “com sanação do vício de incompetência relativa que ainda subsista”. Na proposta, João Paulo Saraiva considera “da mais elementar justiça” o pagamento de despesas de representação aos dirigentes municipais, “em igualdade de circunstâncias ao pessoal dirigente da administração central”. 

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