Costa bate a porta ao bloco central: “Ou nós ou eles”

Em resposta ao primeiro-ministro, o líder socialista contrapôs a necessidade de uma alternativa. Mas nada disse sobre a dívida que Passos Coelho acumulou durante cinco anos à Segurança Social, deixando essa frente ao Bloco de Esquerda e a defesa ao ministro do CDS com a pasta da Segurança Social.

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António Costa pretende ser presidente da AML Enric Vives-Rubio

A porta que Passos Coelho entreabriu à formação de um bloco central, António Costa fechou-a cedo e com estrondo. Ontem de manhã, ainda a entrevista do primeiro-ministro ao Expresso estava morna, já o líder do maior partido da oposição contrapunha: “Hoje, as coisas ficam muito mais claras: ou nós ou eles, esta é a opção”.

No semanário, uma sondagem que aponta para um empate técnico entre a maioria PSD/CDS e o PS não dava muita margem para optimismos aos socialistas, mas isso não parecia incomodar Costa. Afinal, se este fim de semana cheira a campanha eleitoral, ainda faltam cerca de sete meses para as legislativas e muita tinta há-de correr sobre as políticas e os seus protagonistas. Mas sobre estes, os partidos são sempre muito cautelosos.

À excepção do Bloco de Esquerda, a oposição furtou-se a comentar o facto de Pedro Passos Coelho ter acumulado, durante cinco anos, uma dívida à Segurança Social, noticiado ontem pelo PÚBLICO. Só a porta-voz bloquista não teve complacência com a atitude “grave” do actual primeiro-ministro, "quando tantas pessoas no país vivem com dificuldades e não o podem fazer".

"Eu lembro palavras do primeiro-ministro de que as dívidas têm de ser pagas e não podemos ser caloteiros", afirmou Catarina Martins à Lusa. "Há pessoas neste país a trabalhar a recibos verdes, ou que tiveram quebras abruptas de vencimento, que não conseguiram pagar a Segurança Social, e que hoje vivem um calvário de dívidas, e até viram o seu carro ou casa penhorados", apontou. Catarina Martins disse não ser possível "viver com um regime em que há um primeiro-ministro que pode esquecer-se de pagar a Segurança Social, auferindo rendimentos tão mais elevados do que a maior parte da população".

Perante o silêncio de António Costa e Jerónimo de Sousa sobre o assunto, coube sobretudo a ministros da maioria o difícil papel de defender o chefe. Confrontado pelos jornalistas à chegada a uma das últimas sessões das Jornadas para o Investimento, no Porto, o ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, o centrista Pedro Mota Soares, defendeu que o primeiro-ministro foi "vítima de erros da própria administração" da Segurança Social, tal como aconteceu com milhares de portugueses.

Nem por um momento Pedro Mota Soares colocou em causa a idoneidade no líder do Governo, Pedro Passos Coelho. “O doutor Pedro Passos Coelho já fez um esclarecimento factual e claro sobre esta situação, por isso mesmo a única coisa que queria dizer era o seguinte: percebemos que há muitos anos, há cerca de 10 anos, 107 mil portugueses foram vítimas da própria administração” da Segurança Social, declarou. “Sinto que os cidadãos não devem ser penalizados por erros da administração, parece-me que foi isso que aconteceu neste caso.”

Quando os jornalistas lhe recordaram que existia de facto uma dívida de milhares de euros de contribuições não pagas entre 1999 e 2004, o ministro tornou a escudar-se: “Houve muitos [contribuintes] que não foram sequer notificados. Foi um conjunto de erros que aconteceram muito antes da entrada em funções deste governo. O que eu acho é que nenhum cidadão deve ser penalizado por erros da administração.” Confrontado com o facto de Passos Coelho ter tido conhecimento da dívida em 2012, já como chefe do Governo, e mesmo assim optou por não a pagar, Mota Soares comentou: “Relembro que não havia obrigação de pagar dívidas que estão prescritas e mesmo assim optou por pagar, o que é aliás um facto positivo.”

Também o ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, desvalorizou o caso. “O que importa é que [Pedro Passos Coelho] respondeu e respondeu em relação aos problemas que lhe são colocados”, afirmou. Quando questionado pelo PÚBLICO sobre como se sente ao integrar um Executivo cujo líder não cumpriu a sua situação contributiva, o ministro disse apenas “sentir-se muito bem em fazer parte de um governo que alterou uma situação de pré-bancarrota para uma situação em que se está a discutir se a taxa de crescimento é maior ou menor”.

Voltemos então às políticas. Ou às declarações nesse sentido. À entrada para o encontro Valorizar o território, descentralizar e aproximar, que o PS promoveu ontem em Santarém, António Costa prosseguiu com a argumentação contra o bloco central. “Nós temos propostas, nós temos medidas. E não nos conformamos com a resignação do senhor primeiro-ministro – e estamos aqui para construir e afirmar uma alternativa. Bem podem unir-se [PSD e CDS-PP], nós vos venceremos e afirmaremos a alternativa”, alfinetou o líder socialista.

Costa condenou a “posição de resignação” que vê na actual maioria em relação à pobreza e ao desemprego. E para vincar que o PS tem lançado propostas, enumerou: “Apresentámos a estratégia nacional de combate à pobreza infantil e juvenil, que é o segmento da sociedade onde a pobreza mais aumentou. Apresentámos as políticas activas de emprego, dirigidas aos jovens mais qualificados, de modo a integrá-los nas empresas do sector exportador, de forma a reforçar a produtividade e a competitividade. Apresentámos a proposta de dinamizar sectores com capacidade para absorver a mão-de-obra intensiva, como sejam a reabilitação urbana, na construção; a redução do IVA na restauração”.

Costa disse que a entrevista a Passos Coelho veio ainda mostrar “a vontade que o primeiro-ministro tem de, simplesmente, de continuar a fazer mais do mesmo. O primeiro-ministro veio clarificar finalmente que sente a necessidade de fazer uma coligação com o CDS, para tentar enfrentar o Partido Socialista”.

Na entrevista ao Expresso, Passos Coelho fala em “conto para crianças”, não para falar de novo da Grécia, mas para falar das propostas do PS, infantilizando a ideia de que é possível “superar uma quase bancarrota a distribuir dinheiro e a expandir o orçamento”. Para o primeiro-ministro, não só as soluções apresentadas pelo PS “são semelhantes às do passado”, como as pessoas que estão na fileira da frente do partido são “basicamente as mesmas que determinaram as escolhas do passado". "Se há um projecto novo, está escondido", defendeu.

Embora o primeiro-ministro não feche a porta a um bloco central com António Costa, insiste que vai lutar por uma maioria absoluta, considerando mesmo perigoso governar sem o apoio parlamentar de uma maioria na Assembleia da República, quando a situação económica e financeira do país é frágil.

“Quando saímos de um período difícil e precisamos de consolidar reformas, crescimento e confiança, não ter maioria absoluta pode ser um perigo”, vincou Passos, lembrando que, no tempo de Cavaco Silva como primeiro-ministro, sempre defendeu que esse não deve ser um fim em si mesmo, mas um garante de estabilidade.

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