O que liga a tequila de George Clooney à crise logística no Reino Unido?

A economia global de mercado não se rege por princípios de sustentabilidade se o seu funcionamento esgota os nossos recursos ambientais e explora os nossos recursos humanos. Sem uma mudança significativa na mentalidade e comportamento das empresas, investidores, sector público e consumidores, estamos a construir um futuro de grande escassez, onde não faltará apenas tequila.

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Charlotte Harrison/ Unsplash

A tequila é a bebida do momento entre as grandes estrelas mundiais. De Arnold Schwarzenegger, Dwayne “The Rock” Johnson até George Clooney, que em 2018 vendeu a sua marca Casamigos por mil milhões de dólares à multinacional Diageo, todos estão na corrida por um gole desta bebida de milhões.

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A tequila é a bebida do momento entre as grandes estrelas mundiais. De Arnold Schwarzenegger, Dwayne “The Rock” Johnson até George Clooney, que em 2018 vendeu a sua marca Casamigos por mil milhões de dólares à multinacional Diageo, todos estão na corrida por um gole desta bebida de milhões.

Como acontece na grande maioria das vezes, tudo o que passa de uma produção equilibrada para uma produção massiva acarreta igual consumo de recursos naturais. O México, maior produtor mundial de tequila, viu em 2020 a sua produção aumentar para um valor oito vezes superior ao que havia sido realizado nos últimos 20 anos. Este número trouxe uma enorme pressão sobre a planta de agave azul, recurso indispensável para a produção da bebida milionária.

Para além do aumento dos resíduos que o processo de fabrico provoca, a produção de um litro de tequila implica o consumo mínimo de dez litros de água, sendo já visível um aumento das áreas desflorestadas em favor da criação de novas áreas de plantação de agave azul.

É inegável que associadas à cultura de consumo estão uma série de melhorias na qualidade de vida e no acesso de milhões de pessoas a bens e serviços, que anteriormente lhes estavam vedados. Contudo, percebemos a cada dia que passa que o preço a pagar poderá ser demasiado alto, com o risco, de enquanto sociedade, repetirmos os erros que, de acordo com Jared Diamond no seu best seller Collapse, levaram à auto-aniquilação dos Rapa Nui na Ilha da Páscoa: o consumo excessivo e consequente destruição de todos os seus recursos naturais.

Não existe uma solução evidente, apenas a necessidade de questionar se a massificação será sempre a única forma de democratização de acesso a bens e responsabilizar as economias que, ao longo de séculos, cresceram às custas de danos ambientais e desequilíbrios sociais, por garantirem que economias mais frágeis consigam hoje ter acesso a mais e melhores produtos, com base em práticas ambientalmente mais equilibradas e socialmente mais justas e conscientes.

O nosso papel enquanto consumidores numa era de escrutínio e disponibilização de informação é tentar ir mais além e perceber como é possível ter acesso a determinado produto por um preço tão baixo. Terá a massificação significado igualmente uma melhoria nas condições sociais e económicas de toda a mão-de-obra que trabalhou nas cadeias produtivas?

Terão hoje os agricultores mexicanos que labutam nas plantações de agave azul uma vida melhor? A mesma pergunta pode ser feita aos milhares de profissionais de logística que diariamente conduzem camiões de transporte de bens no Reino Unido, actualmente a enfrentar uma crise como não se via desde o início dos anos 80. Nas prateleiras dos supermercados começam a escassear determinados produtos, enquanto frutas e legumes apodrecem nos campos por não existir forma de os transportar do campo até às lojas.

As excessivas necessidades de consumo criadas ao longo de décadas levaram à massificação e desvalorização de determinadas profissões, empurradas para segmentos fragilizados da população que, sem outras opções, asseguravam o normal funcionamento das cadeias de distribuição, à custa de baixos salários, excessivas horas de trabalho e fracas condições laborais. O fenómeno do Brexit provocou a fuga de cerca de 14 mil emigrantes que conduziam camiões de transporte de bens, não existindo no Reino Unido a capacidade de formar recursos humanos em tempo útil para os substituir, nem a capacidade de atrair pessoas para um sector que cresceu à custa da exploração e precarização laborais.

Estes casos demonstram que a economia global de mercado não se rege por princípios de sustentabilidade se o seu funcionamento esgota os nossos recursos ambientais e explora os nossos recursos humanos. Sem uma mudança significativa na mentalidade e comportamento das empresas, investidores, sector público e consumidores, estamos a construir um futuro de grande escassez, onde não faltará apenas tequila.

Recai em cada um de nós, enquanto consumidores informados, o papel de assumir escolhas. Perceber que estes temas não são maiores que o “eu”, mas que fazemos parte deles e que são os nossos actos, associados aos milhões de actos de pessoas como nós, que constroem as sociedades e o mundo em que vivemos.

Deixo alguns exemplos, na certeza de que se balancearmos o nosso carrinho de compras entre o que sempre fizemos e o que podemos agora fazer, o mundo terá hipóteses de continuar a ser um local para se viver.