Câmara do Porto trava obra ilegal em imóvel de interesse público

Casa Maria Borges, projectada pelo arquitecto Viana de Lima nos anos 50, está há vários anos fechada. Obra na cobertura da moradia na Foz iniciou-se sem autorização, mas já foi embargada

Foto
Paulo Pimenta

Ao passar na rua Pêro da Covilhã, na Foz, o movimento na cobertura do edifício causou estranheza. A Casa Maria Borges, fechada há vários anos, estava a ser intervencionada apesar de não haver qualquer aviso de licenciamento à vista. Um dos membros do Fórum Cidadania Porto deu o mote para uma carta aberta deste grupo de cidadãos a Rui Moreira, missiva onde pedem esclarecimentos sobre a operação naquela “obra de referência da arquitectura moderna no Porto”. Menos de uma semana depois, esta segunda-feira, a Câmara do Porto travou a empreitada.

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Ao passar na rua Pêro da Covilhã, na Foz, o movimento na cobertura do edifício causou estranheza. A Casa Maria Borges, fechada há vários anos, estava a ser intervencionada apesar de não haver qualquer aviso de licenciamento à vista. Um dos membros do Fórum Cidadania Porto deu o mote para uma carta aberta deste grupo de cidadãos a Rui Moreira, missiva onde pedem esclarecimentos sobre a operação naquela “obra de referência da arquitectura moderna no Porto”. Menos de uma semana depois, esta segunda-feira, a Câmara do Porto travou a empreitada.

“Esta obra foi embargada por despacho da Vereadora da Fiscalização e Protecção Civil, [Cristina Pimentel] por trabalhos de alteração (cobertura), sem alvará para o efeito”, informou a autarquia questionada pelo PÚBLICO. O edifício projectado nos anos 50 “faz parte integrante do Passeio marítimo e Avenida Montevideu, classificado como Conjunto de Interesse Público (Portaria n.º 574/2011, DR, 2.ª série, n.º 109, de 6-06-2011)”, esclareceu a Direcção-Geral do Património Cultural. Além disso, acrescenta o executivo de Rui Moreira, “encontra-se inventariado no PDM como imóvel de valor patrimonial”.

O grupo de cidadãos do Fórum Cidadania Porto mostrava “preocupação” com o facto de a obra poder “prejudicar o valor arquitectónico e patrimonial desta casa, único exemplo da arquitectura moderna e internacionalista dos anos 50 na frente marítima do Porto”, lê-se na carta. José Pedro Tenreiro, arquitecto e um dos subscritores, acredita que a moradia está sem “abandonada há pelo menos oito anos”. A quem pertence neste momento a Câmara do Porto diz não saber.

Uma casa de férias

A história do edificado semi-escondido pelas árvores e a poucos metros do mar começa nos anos 50, altura em que o arquitecto Viana de Lima (1913-1991), “um dos mais destacados arquitectos da segunda metade do século XX no Porto”, desenhou uma casa para a então administradora do Teatro Rivoli. Maria Borges tinha tecto no centro da cidade, junto ao teatro, e pretendia ter ali uma “casa de Verão”. As linhas modernistas não foram consensuais, conta José Pedro Tenreiro. “O projecto é entregue nos anos 50 a um dos arquitectos mais modernos da época numa altura em que a arquitectura moderna não era muito aceite, inclusive pela dona da casa.” Viana de Lima acabaria mesmo por sair, afastado pelo engenheiro  Oswaldo Santos Silva, mas “mantém características únicas naquela zona”. “Em Portugal há muitas casas assim, mas na frente de mar do Porto, e praticamente em Nevogilde toda, não há.”

Viana de Lima, natural de Esposende e conhecido sobretudo pelos seus projectos de casas de habitação, desenhou uma casa com um “rés-do-chão transparente para o lado do mar e mais encerrada no piso de cima”. Com alguma distância da Avenida Montevideu imposta pelo jardim, a moradia tinha uma “cobertura plana, janelas largas, vidros muito grandes”, aponta José Pedro Tenreiro. “Era uma casa para festas como as que se viam nos filmes na altura, com uma escada aparatosa e um jardim.”

Em 1999, o edifício foi transformado numa guest-house de luxo, a Casa do Poema, numa altura em que o Porto ainda não vivia os tempos auspiciosos de turismo.