Festejos do título: Cabrita aponta o dedo ao Sporting e critica “ausência de cooperação”

Ministro Eduardo Cabrita vai pedir um parecer à PGR com mudança no projecto de lei que regula o direito à manifestação na mira. Sporting nunca respondeu a solicitações da IGAI durante inquérito.

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Nuno Ferreira Santos

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, atribuiu esta sexta-feira responsabilidades ao Sporting na desorganização vivida nos festejos do título de campeão nacional e na “ausência de cooperação” com a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) no inquérito aos acontecimentos.

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O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, atribuiu esta sexta-feira responsabilidades ao Sporting na desorganização vivida nos festejos do título de campeão nacional e na “ausência de cooperação” com a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) no inquérito aos acontecimentos.

“Obviamente que a responsabilidade pela celebração e pelo modelo da celebração é do Sporting”, disse Eduardo Cabrita, em conferência de imprensa sobre as conclusões desse inquérito. “As propostas da PSP não foram acolhidas pelo promotor, designadamente a proposta de celebração dentro do estádio, mas não pode a PSP forçar o dono da casa [Sporting] a que a celebração fosse feita dentro do estádio”.

O ministro da Administração Interna considerou que “não foram cumpridas as determinações do director-nacional da PSP, que, em ordem de operações, estabeleceu um conjunto de actividades que deveriam ser realizadas na área envolvente do estádio do Sporting, a partir das 14h do dia 11 [de Maio].” Entre essas orientações estavam “a definição de um perímetro através de grades para a dita manifestação, o controlo de pessoas e a fiscalização de regras aplicáveis na altura.”

Por isso, Cabrita determinou à IGAI que “apure, agora, em processo autónomo, quais as circunstâncias” que permitiram a aglomeração “de um elevado número de adeptos” naquela zona.

Além da crítica que teceu relativamente à actuação do clube na tarde e noite dos festejos do título, o ministro criticou também, como referiu, a “ausência de cooperação por parte do Sporting Clube de Portugal [SCP] às solicitações feitas pela Inspecção-Geral da Administração Interna” durante o período de inquérito. Com excepção do Sporting, todas as entidades chamadas a colaborar no inquérito responderam. 

A inspectora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira, presente na conferência de imprensa, avançou que foram pedidos ao Sporting e à SAD do clube sete conjuntos de documentos, não tendo sido obtida qualquer resposta.

Quanto à actuação da PSP, “a conclusão a que a IGAI chegou é que globalmente não há razões para instaurar processos de natureza disciplinar”, além dos que já estão em curso, disse. A inspectora-geral da Administração Interna referiu que “a PSP instaurou um processo disciplinar na sequência da intervenção de um agente da PSP da qual resultou um ferido”, acrescentando que “foram apresentadas, até ao momento, duas queixas-crime decorrentes também de acções policiais.”

“Num ponto ou outro, a PSP pode ter agido de uma forma que podia ter sido melhor”, admitiu também, acrescentando como um ponto relevante o facto de aquela força de segurança ter cumprido “a sua missão – e a sua missão era num quadro dificílimo, num quadro de pandemia, num quadro em que havia milhares de pessoas na rua.”

MAI quer revisão da lei de direito à manifestação 

A claque Juventude Leonina, que organizou o “evento” de celebração do título em Alvalade, garantiu, em Maio, ter informado as entidades relevantes. No entanto, apesar de o evento contar com palco, ecrãs, música de DJ, bebidas e animadores, uma festa própria de pré-pandemia, a Juventude Leonina realizou a concentração à porta de Alvalade enquadrando-a como uma manifestação que iria decorrer entre as 14h e as 23h. 

Eduardo Cabrita caracterizou o recurso ao pedido de manifestação para a aglomeração de pessoas naquele local como “um uso manifestamente abusivo da figura do direito de manifestação”. “Há um uso que não tem nada a ver com o quadro das razões com que todos os dias é legitimamente exercido o direito de manifestação, por razões de ordem política, por razões de ordem sindical, por razões de ordem religiosa”, enumerou. 

O ministro da Administração Interna determinou, por isso, que a IGAI “formule um projecto de pedido de parecer a submeter ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre os limites legais e as entidades competentes relativamente à realização de manifestações com uma natureza manifestamente desadequada dos objectivos que tutelam” esse direito fundamental. Em resposta aos jornalistas, notou ainda que o MAI “não tem nenhuma competência de proibição de manifestações”, colocando essa responsabilidade sobre a Câmara de Lisboa.

Cabrita garantiu ainda que o gabinete que tutela, em articulação com a Presidência do Conselho de Ministros, irá preparar “uma proposta de revisão do decreto de lei 406/74, que regula o exercício do direito de reunião e de manifestação" a submeter a apreciação do Conselho de Ministros. 

Na segunda-feira, chegou ao Ministério da Administração Interna o relatório da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), que esteve em análise por aquele ministério, sobre a actuação da PSP nos festejos do Sporting como campeão nacional de futebol (dia em que terminava o prazo de 60 dias para a conclusão do relatório).

Milhares de adeptos concentraram-se no estádio junto a um ecrã gigante, ao abrigo de uma convocatória enviada para a Câmara de Lisboa, referindo o direito de manifestação. Em algumas ruas de Lisboa, foram também quebradas as regras da situação de calamidade devido à pandemia de covid-19, em que não são permitidas mais de dez pessoas na via pública, nem o consumo de bebidas alcoólicas na rua. A maioria dos adeptos não cumpriu também as regras de saúde pública ao não respeitar o distanciamento social, nem o uso obrigatório de máscara.

Este contexto levou a PSP a considerar que estes festejos resultaram em “alterações relevantes da ordem pública”. Em comunicado, a PSP referiu-se, concretamente, ao arremesso aos agentes de objectos perigosos, como garrafas de vidro, pedras e artefactos pirotécnicos que atingiram outros cidadãos. Foram efectuadas três detenções, identificadas 30 pessoas e apreendidos 63 engenhos pirotécnicos.

Como o PÚBLICO noticiou na segunda-feira, os festejos podem ter ajudado a a espalhar a variante Delta da covid-19. Segundo o matemático Óscar Felgueiras, aqueles ajuntamentos em Lisboa potenciaram a transmissão. O especialista referiu ao PÚBLICO que as estimativas, no início de Maio, de circulação desta variante eram de 5% no país, verificando-se um aumento imediato na Região de Lisboa e Vale do Tejo. “Houve um aumento de super transmissão de Lisboa e Vale do Tejo centrado no dia 12 de Maio [24 horas após os festejos]”, relatou Óscar Felgueiras.