Kanté, da recolha de lixo nas ruas de Paris à Bola de Ouro?

O número 7 da França teve uma infância marcada pela miséria nos subúrbios da capital francesa, mas hoje é um dos médios mais elogiados no futebol mundial.

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Kanté em acção LUSA/Tibor Illyes / POOL

Há desportistas com percursos de vida que alimentaram boas histórias. Há, no entanto, desportistas que nunca procuraram qualquer tipo de protagonismo e para quem é muito redutor reduzir-se o seu talento e a sua qualidade à simples narração do trajecto que tiveram até alcançarem o sucesso. N’Golo Kanté está nesta encruzilhada. Após uma infância marcada pela miséria nas ruas de Paris e uma adolescência repleta de rejeições pelo seu porte físico, o “7” da França é hoje o “motor” do último rival de Portugal no Grupo F do Euro 2020 e, já com uma Liga dos Campeões no currículo, surge na bolsa de apostas como o favorito à vitória da Bola de Ouro de 2021.

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Há desportistas com percursos de vida que alimentaram boas histórias. Há, no entanto, desportistas que nunca procuraram qualquer tipo de protagonismo e para quem é muito redutor reduzir-se o seu talento e a sua qualidade à simples narração do trajecto que tiveram até alcançarem o sucesso. N’Golo Kanté está nesta encruzilhada. Após uma infância marcada pela miséria nas ruas de Paris e uma adolescência repleta de rejeições pelo seu porte físico, o “7” da França é hoje o “motor” do último rival de Portugal no Grupo F do Euro 2020 e, já com uma Liga dos Campeões no currículo, surge na bolsa de apostas como o favorito à vitória da Bola de Ouro de 2021.

Para muitos portugueses, a realidade que se vive nos arredores de Paris é conhecida e reconhecida como sendo difícil. Com altos níveis de criminalidade e de pobreza, muitos dos subúrbios da capital francesa passam ao lado dos olhos dos turistas que passeiam pela segunda cidade do mundo mais visitada em 2019. Foi nessa conjuntura que Kanté cresceu e foi com a recolha do lixo que muitos desses turistas espalharam pelas ruas parisienses que o filho de emigrantes malianos ajudou os seus pais a alimentarem os irmãos mais novos.

A viver num bairro social de Rueil-Malmaison, a uma dezena de quilómetros da Torre Eiffel, Kanté tinha sete anos quando a França derrotou o Brasil por 3-0 e conquistou pela primeira vez um Mundial de futebol. Na altura, o papel que hoje é de Kanté estava entregue a Didier Deschamps, numa equipa “tricolor e multicolor” que quebrou muitos estereótipos que existiam no futebol francês.

Para o pequeno Kanté, no entanto, pouco mudou com a vitória francesa em 1998. Embora por essa altura tenha começado a jogar no modesto Jeunesse Sportive de Suresnes, equipa de Rueil-Malmaison, o talento que despontava era insuficiente para ultrapassar uma barreira: o seu corpo franzino e pequeno.

Com o estigma do seu porte físico, que lhe ia fechando portas, Kanté ficou com mais um peso sobre os ombros aos 11 anos, quando perdeu o pai, forçando-o a trabalhar ainda mais para ajudar a família - é o mais velho de quatro irmãos.

O pequeno francês, todavia, já aí mostrava a fibra e tenacidade que hoje coloca em campo: “Tive vários períodos à experiência e fui rejeitado muitas vezes, mas não encarei isso como falhanços, antes como oportunidades. Sabia que podia ter sucesso mesmo não passando por uma academia, bastava que desse o meu melhor”.

Em declarações ao site da UEFA, Kanté contou que quando jogava pelas reservas do Boulogne e fez a sua estreia profissional na Ligue 2, tinha “uma grande fome de vencer e grandes esperanças no futebol”: “Não sabia até onde podia ir, apenas queria ser profissional e dar o meu melhor.” O pequeno médio jogou apenas 11 minutos da última jornada de 2011-12, mas a partir desse momento, não mais parou de subir.

Embora o Boulogne tivesse sido despromovido, a época 2012-13 do médio defensivo no terceiro escalão gaulês despertou a atenção do Caen, que o contratou. De regresso à Ligue 2, Kanté tornou-se indiscutível no clube da Normandia e Steve Walsh, “olheiro” que já tinha levado para Leicester jogadores como Jamie Vardy ou Mahrez, convenceu os “foxes” a pagarem cerca de oito milhões de euros pelo médio.

Até aí, com 25 anos, Kanté tinha resistido aos convites do Mali para jogar pela selecção africana, mas continuava a ser negligenciado por Deschamps, que apenas o chamou à selecção francesa a 17 de Março de 2016.

Kanté acabou por ser convocado para o Europeu em França, onde foi sempre segunda opção - Deschamps preferiu Matuidi -, mas a forma como o parisiense se impôs na Premier League – primeiro no Leicester, depois no Chelsea -, não deixou dúvidas sobre a sua qualidade.

Hoje, com 30 anos, Kanté é, provavelmente, o médio-defensivo mais admirado no futebol mundial e o prémio de “melhor em campo” que recebeu na final da Liga dos Campeões, que o Chelsea venceu no Estádio do Dragão, deu ainda mais argumentos aos muitos que defendem que o francês deve ganhar a Bola de Ouro 2021.

O que Kanté e a França conseguirem fazer neste Euro 2020 terá, certamente, um peso decisivo nessa decisão. Para já, o “7” da França parte à frente da concorrência: na bolsa de apostas, a cotação do pequeno francês é de 5/1, contra 7/1 de Messi e 10/1 de Cristiano Ronaldo.