As pegadas da marca BIP/ZIP já começaram a ser assinaladas pela cidade

A partir do centro geodésico da cidade, algures no Jardim do Campo Grande, um QR code transporta-nos para geografias da cidade nas quais, por vezes, nem se quer pensamos. Já estão assinaladas as dez pegadas que marcam uma década de BIP/ZIP.

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Era um edifício da câmara devoluto que a Renovar a Mouraria tratou de requalificar e de o tornar no Edifício Manifesto, sede da associação e uma referência para o bairro. Esta fotografia é de 2012 quando estavam a terminar as obras helena colaco salazar/arquivo

Das hortas vêem-se o aqueduto, os comboios, e, na outra encosta, os bairros da Serafina e da Liberdade. Se detivermos por momentos o olhar, é como se regressássemos à Lisboa das quintas e da cidade que ia pouco além das grandes avenidas. A verdade é que a cidade cresceu, urbanizou-se, ergueram-se prédios e largas ruas. Em Campolide, a Lisboa urbana e rural ainda convivem porta com porta. Na Quinta do Tarujo, ainda há hortas para meter mãos à terra. 

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Das hortas vêem-se o aqueduto, os comboios, e, na outra encosta, os bairros da Serafina e da Liberdade. Se detivermos por momentos o olhar, é como se regressássemos à Lisboa das quintas e da cidade que ia pouco além das grandes avenidas. A verdade é que a cidade cresceu, urbanizou-se, ergueram-se prédios e largas ruas. Em Campolide, a Lisboa urbana e rural ainda convivem porta com porta. Na Quinta do Tarujo, ainda há hortas para meter mãos à terra. 

Há cerca de cinco anos, os moradores da zona e a associação ADM Estrela olharam para uns terrenos abandonados e viram além do entulho e da pedra que ali se amontoava. Por ali, alguns moradores, sobretudo mais velhos, já tinham algumas hortas clandestinas ou noutras zonas da cidade, por isso, porque não limpar esses talhões de terra e tentar que dali nascessem frutos? 

Foi isso que fizeram. Primeiro, para que os moradores pudessem dali retirar alimentos e, depois, para que os alunos do Agrupamento de Escolas Marquesa de Alorna ali pudessem aprender como se prepara a terra e acompanhassem o processo de crescimento dos legumes e das frutas e, claro, os colhessem, explica Rita Saraiva, da associação ADM Estrela, uma das promotoras da iniciativa. 

O projecto arrancou ainda sem ser BIP/ZIP, sendo que, em 2018, acabaram por conseguir o financiamento e alargaram-no a mais turmas. 

É no talhão de terra de Carlos Alves, morador, que os pequenos hortelões pegavam na enxada, cavavam a terra e plantavam. “Foi uma oportunidade de trazer os miúdos à terra”, diz Carlos. Os miúdos e os hortelões graúdos acabaram por criar uma marca, a Alfaz’Ema, com produtos oriundos destas hortas, sobretudo ervas aromáticas, que vendiam em pequenas feiras.

António Carvalho é também um dos moradores que quis ficar com um talhão de terra para fazer a sua horta e dali retirar o que a terra vai dando. Morador há 43 anos, mantém o gosto pela terra. Gosta de ver crescer a couve galega, as cebolas, os alhos e os tomates. E gostava de ver também os miúdos a mexer na terra. A pandemia interrompeu este projecto, embora nas escolas haja também um cantinho onde vão cultivando as hortaliças. 

Estes sete talhões de terra foram também uma forma de se irem estreitando laços com a vizinhança. Nestes territórios onde há mais vulnerabilidade, os chamados Bairros ou Zonas de Intervenção Prioritária (BIP/ZIP), a vida nem sempre é fácil. E foi por isso que há uma década nasceu este programa municipal: para tornar a vida nestes bairros mais simples, com melhores condições, com menos estigmas e problemas. No fundo, fazer com que quem mora nestas zonas sinta que tem uma palavra a dizer sobre o seu bairro, como as pessoas que moram nas grandes avenidas. 

É para que os lisboetas - os de gema e os que foram acolhidos – conheçam estas zonas que também fazem parte da cidade que a equipa BIP/ZIP preparou um roteiro com dez locais onde esta intervenção foi crucial. Nessa lista, estão, além das hortas do Tarujo, o edifício da Renovar a Mouraria, projectos no Bairro 2 de Maio, na Ajuda, ou no Bairro Padre Cruz, em Carnide. 

Para nos guiar por estas pegadas há uma espécie de marco geodésico no jardim do Campo Grande, próxima ao Caleidoscópio, por ser um local próximo do centro geodésico da cidade. “Daqui, através do QR Code que está na placa, irradia para todos os outros territórios da cidade onde há BIP/ZIP”, diz a vereadora da Habitação e Desenvolvimento Local, Paula Marques. 

“O que nós queremos é que quem passar aqui no jardim tenha a curiosidade de saber o que são os BIP/ZIP, mas sobretudo ir a Marvila, ao centro histórico, ir a Campolide, ao Beato, ir aos PRODAC. Ir conhecer os territórios e as pessoas que lá vivem.”

Durante o mês de Maio, a câmara fará iniciativas para assinalar pela cidade dez pegadas físicas, dez marcas BIP/ZIP. 

Para a próxima edição deste programa municipal, que deverá ser lançada brevemente, o município vai permitir candidaturas “inter-bips”, ou seja, que duas zonas possam concorrer com um projecto conjunto. “Queremos manter a ideia da energia local e da ignição, mas queremos que haja uma ideia de projectos que sejam boas práticas e que possam ser replicados e mais sustentáveis ao longo do tempo, que possam ter uma execução mais longa”, nota a vereadora. 

Para assinalar este ano de comemoração, e além do concurso de vídeo que já está a decorrer, há também um desafio ligado à fotografia em parceria com o Arquivo Municipal, para mostrar os olhares dos lisboetas sobre as suas comunidades. 

As candidaturas, que devem apresentar o ângulo para onde esse olhar será dirigido, estão abertas até 20 de Maio. “Queremos que as pessoas sintam absoluta liberdade de registarem o que mais as toca na sua comunidade. Seja o que for”, diz Paula Marques. Podem ser também retratos do que não está bem para alertar quem tem capacidade para o mudar.