Joacine quer alterar critério de identificação de suspeitos baseado em “estereótipos raciais”

Projecto de lei entregue no Parlamento visa mudar redacção de um artigo do Código de Processo Penal.

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A deputada não inscrita Joacine Katar Moreira daniel rocha

A deputada não inscrita Joacine Katar Moreira quer eliminar do Código de Processo Penal o critério que permite à polícia proceder à identificação de qualquer pessoa suspeita de estar ilegalmente no país, por ser baseado em “estereótipos raciais”.

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A deputada não inscrita Joacine Katar Moreira quer eliminar do Código de Processo Penal o critério que permite à polícia proceder à identificação de qualquer pessoa suspeita de estar ilegalmente no país, por ser baseado em “estereótipos raciais”.

No projecto de lei entregue à Assembleia da República, a deputada não inscrita (ex-Livre) propõe a alteração do artigo 250º do Código de Processo Penal, “para uma abordagem na identificação de suspeitos que salvaguarde os direitos processuais e as liberdades fundamentais das pessoas racializadas, limitando a discricionariedade policial baseada em estereótipos raciais”. 

O artigo em causa estabelece que “os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção”.

Em concreto, a deputada pretende eliminar a frase “de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional”, sustentando que têm sido “recorrentes os relatos da abordagem policial à população racializada tendo como base o presente artigo”. 

“Sendo acompanhada, não raras vezes, por policiamento repressivo e por revistas consideradas humilhantes por quem por elas passa e que restauram aquilo que é o resultado de uma construção histórica colonial que configura a pessoa negra ou cigana como desordeira ou criminosa”, argumenta.

Segundo Katar Moreira, o artigo em causa, ao atribuir aos órgãos de polícia criminal a competência de proceder à identificação de qualquer pessoa, sempre que sobre ela recaiam suspeitas “de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional” acaba por criar “um espaço de elevada discricionariedade no que respeita à conduta policial, uma vez que a lei é omissa quanto aos critérios a adoptar para discernir se determinado indivíduo penetrou ou permanece irregularmente no território nacional”.

Neste contexto, a deputada questiona: “quais são os parâmetros utilizados pelos órgãos de polícia criminal para identificar se determinada pessoa entrou ou permanece irregularmente no território nacional? Quais são as características de um estrangeiro?”.

“É de realçar, igualmente, que a pessoa visada pela ordem de identificação deve ser um suspeito, isto é, uma pessoa em relação à qual haja “fundadas suspeitas” da prática de uma infracção criminal. Contudo, “a permanência de cidadão estrangeiro em território português por período superior ao autorizado constitui contra-ordenação”, e não uma infracção criminal”, defende a deputada. 

Joacine sustenta que redacção actual do artigo 250º do Código de Processo Penal contribuiu “para a criação de uma confusão entre estes dois domínios, justificadamente distintos e que, portanto, devem ser alvo de tratamentos diferenciados”.

“A violência policial é uma realidade frequente em Portugal, que urge ser combatida e eliminada”, aponta a deputada, sustentando a afirmação com o relatório do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura de 2020 que concluiu que “as autoridades portuguesas têm de reconhecer que os maus-tratos perpetrados por agentes policiais são uma realidade, e não resultam apenas de acções de alguns agentes transgressores”.