Novo Banco: a história da venda rápida da Tranquilidade por quem a negociou

Primeiro administrador financeiro do Novo Banco confirma que Pedro Siza Vieira esteve envolvido na venda da seguradora que pertencia ao BES, quando era advogado da Linklaters.

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evr Enric Vives-Rubio

João Moreira Rato, o primeiro administrador financeiro do Novo Banco, explicou esta quinta-feira no Parlamento por que razão a venda da Tranquilidade à Apollo teve de ser rápida. A seguradora era um crédito no balanço do Novo Banco e estava descapitalizada. Além disso, para Setembro de 2014 estava prevista a renegociação de seguros de empresas, numa altura em que a companhia perdia clientes diariamente, o que levou o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) a insistir na continuidade do processo de venda. 

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João Moreira Rato, o primeiro administrador financeiro do Novo Banco, explicou esta quinta-feira no Parlamento por que razão a venda da Tranquilidade à Apollo teve de ser rápida. A seguradora era um crédito no balanço do Novo Banco e estava descapitalizada. Além disso, para Setembro de 2014 estava prevista a renegociação de seguros de empresas, numa altura em que a companhia perdia clientes diariamente, o que levou o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) a insistir na continuidade do processo de venda. 

Moreira Rato deu esta explicação na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco que pretende apurar as causas das perdas da instituição financeira imputadas ao Fundo de Resolução (FdR). O fundo, que tem 25% do capital do Novo Banco, já colocou na instituição mais 3000 milhões de euros, além da injecção inicial de 4900 milhões de euros. 

Na história do fim do BES e do nascimento do Novo Banco, um dos capítulos que tem despertado mais interesse é o da venda da seguradora Tranquilidade. Isto, porque foi alienada ao fundo Apollo em 2014 por 40 milhões de euros, que, por sua vez, a vendeu à Generali, em 2019, por um valor muito superior, de 600 milhões de euros

O comunista Duarte Alves quis perceber vários aspectos deste negócio e aproveitou a oportunidade de ter à sua frente o “responsável pelo negócio do acordo de compra e venda da Tranquilidade com a Apollo”, como confirmou o próprio Moreira Rato.

O gestor, que integrou a primeira equipa à frente do Novo Banco liderada por Vítor Bento, adiantou que “a Tranquilidade não estava no balanço do Novo Banco. O crédito estava no balanço do Novo Banco” e uma das formas de o recuperar era vender as acções. Daí a venda.

No entanto, explicou que as condições em que esta foi feita não eram as mais favoráveis. “A Tranquilidade estava nessa fase descapitalizada”, lembrando que a seguradora “tinha investido 150 milhões em títulos vencidos do Grupo Espírito Santo (GES)”. “Precisava de uma recapitalização rápida e o BES não tinha capacidade” para o fazer. Logo, “tinha de ser vendida a um terceiro para recapitalizar a Tranquilidade”. 

A esta necessidade juntou-se outra que impôs rapidez ao processo, não levando sequer o ISP a ponderar uma suspensão do processo de venda para dar tempo à outra interessada – a Liberty para transformar a proposta não vinculativa em vinculativa na compra da Tranquilidade. “O ISP insistiu muito que o processo continuasse. A companhia ia mostrando uma erosão clara de credibilidade” uma erosão “diária” da base de clientes, precisou e “em Setembro aproximava-se a renegociação de acordos de seguros com empresas e resseguros”. 

Portanto, a estratégia foi vender. E depressa. Com a proposta da Apollo em cima da mesa e sem oposição do Banco de Portugal que Moreira Rato considerou estar informado dos riscos e que manifestou uma “não-oposição forte” , a companhia foi vendida e o Novo Banco livrou-se do crédito que tinha no balanço. Este negócio foi criticado quando a Tranquilidade foi vendida de novo mais tarde e a mais-valia foi para os cofres da Apollo. 

Siza: o “mais envolvido”

Ainda sobre a venda da Tranquilidade Moreira Rato confirmou a participação do actual ministro da Economia no processo, quando Pedro Siza Vieira era advogado da Linklaters. Quando chegou ao BES, ainda antes da resolução, a equipa de gestão que sucedeu ao líder histórico Ricardo Salgado contratou um escritório de advogados para lidar com questões que envolvessem outras jurisdições. Esse escritório foi a Linklaters que ficou a assessorar a equipa de Bento também depois no Novo Banco.

“O nosso principal contraparte era o dr. António Soares. Quem esteve mais envolvido na questão da Tranquilidade foi o dr. Pedro Siza Vieira”, disse, confirmando assim uma informação avançada pelo Expresso a 29 de Janeiro de 2021. “Se bem me recordo [Siza Vieira] há-de ter sido chamado num ou noutro conselho de administração para dar a sua opinião sobre o contrato de compra e venda”, adiantou. Desvalorizou, porém, a diferença de posições identificada pelo deputado Duarte Alves entre a Linklaters e o conselho fiscal do Novo Banco quanto à passagem da venda pela assembleia geral do Fundo de Resolução (enquanto accionista do Novo Banco). “Dado tratar-se de um credor penhoratício não teria de ir à assembleia geral”, afirmou, acrescentando que o que importava era a não-oposição do Banco de Portugal e essa foi conseguida. 

Perante os deputados, Moreira Rato disse ainda que, quando assumiu funções  esteve três semanas no BES e seis no Novo Banco, entre 14 de Julho e 17 de Setembro de 2014 , o Banco de Portugal referiu a existência de uma “almofada de capital de 2000 milhões de euros disponível para ser utilizada de forma a lidar com problemas do BES”. Mas rapidamente a nova gestão do banco percebeu que não chegava, mesmo depois da resolução que ocorreu a 3 de Agosto de 2014 e que deixou a equipa de Vítor Bento “surpreendida”. 

“Pouco tempo depois [da resolução, quando foram injectados 4900 milhões de euros no Novo Banco], ainda em Agosto, discutimos que o capital podia não ser suficiente para fazer face aos problemas que podiam ainda acontecer. Comunicámos essa nossa preocupação ao Banco de Portugal”, afirmou o ex-administrador financeiro. Moreira Rato evitou quantificar um número exacto de necessidades adicionais de capital àquela data até tendo em conta a distância do tempo , lembrando que o balanço estava aberto e que as regras se iam alterando.

No entanto, admitiu que o crédito em incumprimento era um problema durante o período em que esteve à frente do banco. “Nessa fase havia algumas situações, mas não era ainda uma das nossas preocupações principais”, disse, em resposta às questões da deputada centrista Cecília Meireles. “Tínhamos consciência de que a carteira de empresas do banco poderia a prazo apresentar problemas. Era provavelmente também um dos riscos”, especificou. Lembrou, porém, que logo a seguir à resolução havia outros problemas: “Durante muito tempo tivemos saídas de recursos do banco.” “Esse problema ainda não se tinha expressado na sua dimensão.”