Um terço dos peixes de água doce está ameaçado. Portugal não é excepção

Os ecossistemas de água doce têm mais de metade das espécies de peixes no mundo, mas estão sob forte ameaça. Associações querem um plano de emergência que permita restaurar a sua saúde e equilíbrio, essenciais ao planeta.

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Em Portugal, o siluro, uma espécie invasora capturada no Tejo, está a dizimar as populações nativas Rui Gaudencio

Quando falamos de peixes, a tendência será imaginar o vasto oceano, mas a verdade é que é nos cursos de água doce (rios, lagos e zonas húmidas) que estão mais de metade das espécies conhecidas. E um terço delas está ameaçada de extinção, alerta um relatório divulgado esta terça-feira, com o nome sugestivo Os Peixes Esquecidos do Mundo. Elaborado por 16 organizações de conservação ambiental, o documento aponta as principais causas para o declínio a que estas espécies e os seus ecossistemas têm estado sujeitos, mas também soluções. Em Portugal, algumas espécies de lampreia, bem como o sável, o salmão ou a enguia não fogem a esta preocupação e estão em declínio. 

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Quando falamos de peixes, a tendência será imaginar o vasto oceano, mas a verdade é que é nos cursos de água doce (rios, lagos e zonas húmidas) que estão mais de metade das espécies conhecidas. E um terço delas está ameaçada de extinção, alerta um relatório divulgado esta terça-feira, com o nome sugestivo Os Peixes Esquecidos do Mundo. Elaborado por 16 organizações de conservação ambiental, o documento aponta as principais causas para o declínio a que estas espécies e os seus ecossistemas têm estado sujeitos, mas também soluções. Em Portugal, algumas espécies de lampreia, bem como o sável, o salmão ou a enguia não fogem a esta preocupação e estão em declínio. 

As razões são as mesmas, cá ou em qualquer ponto do mundo, resultando numa “combinação devastadora de ameaças” para os ecossistemas de água doce, lê-se no relatório divulgado pela ANP/WWF. Cláudia Correia, especialista em Gestão Pesqueira de Base Comunitária, citada no comunicado da ANP/WWF, elenca-as, na análise do caso português: “A perda de habitats associada à construção de barreiras nos cursos de água, a extracção de inertes, a poluição e a pesca comercial desajustada e sem obrigação de declaração, constituem ameaças para estas espécies, levando ao seu declínio no nosso país. Espécies como o sável, a lampreia-marinha, e o salmão têm visto as suas populações diminuírem devido à inacessibilidade dos locais de desova. Por outro lado, a sobrepesca e actividades de pesca ilegais contribuem amplamente para este declínio, especialmente para a enguia, em que a pesca ilegal (de meixão), apesar de estar regulamentada como crime, continua a ter uma forte expressão”, refere. Na lista das causas para o declínio das espécies referida no relatório só fica mesmo a faltar a perda das zonas húmidas (por uso para construção ou a actividades da agro-pecuária) e a introdução de espécies invasoras. 

Apesar de os rios, os lagos e as zonas húmidas ocuparem apenas 1% da superfície do planeta, eles albergam um quarto de todas as espécies vertebradas conhecidas, incluindo mais de metade das espécies de peixes. “Das 35.768 espécies conhecidas, 18.075 (51%) vive em água doce”, refere-se no documento. Contudo, a conjugação dos factores descritos acima fazem com que a perda da biodiversidade dos ecossistemas de água doce seja duas vezes superior à dos oceanos ou florestas. E há mais números preocupantes, como aqueles que nos dizem que, desde 1970, as populações de peixes migratórios de água doce diminuíram 76% e as de grandes peixes (com mais de 30%), 94%. Além disso, a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN (sigla inglesa para União Internacional para a Conservação da Natureza) indica que 80 espécies de peixes de água doce foram declaradas “Extintas”, 16 das quais no ano passado. Números que levam os autores do relatório a dizer que “a crise da biodiversidade do mundo não é mais aguda em qualquer ecossistema do que no de água doce.”

A boa notícia, segundo o relatório, é que, como em tantos outros problemas ambientais, sabe-se qual a solução para evitar que estes números preocupantes continuem a aumentar. Os responsáveis pelo relatório, incluindo a WWF, querem que seja implementado um Plano de Recuperação de Emergência destes ecossistemas, assente em seis pilares: deixar os rios correrem livremente; aumentar a qualidade da água nestes ecossistemas; proteger e restaurar habitats críticos; acabar com a sobrepesca e a extracção insustentável de inertes em rios e lagos; prevenir e evitar a entrada de espécies invasoras; proteger os rios livres e remover as barragens obsoletas. E o tempo e local ideais para avançar com estas medidas é a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica que se realiza este ano em Kunming, na China, defendem.

Proteger estes ecossistemas não é apenas fundamental por causa da importância que eles têm na manutenção de um planeta mais saudável. O valor económico dos cursos de água doce - seja pela pesca comercial ou recreativa, ou por outras actividades de lazer a eles ligados - ascende a muitos milhares de milhões de dólares e há pelo menos 200 milhões de pessoas para quem o produto da pesca de água doce constitui a maior fonte de proteína na sua alimentação. 

No relatório lembra-se que algumas espécies de peixes já cá andam há centenas de milhões de anos - como as lampreias ou os esturjões, contemporâneos dos dinossauros - e quando a sua sobrevivência está em risco, era bom que algumas luzes de alarme se acendessem. “Se os nossos ecossistemas de água se deterioram ao ponto de não conseguirem suportar uma população saudável de peixe, podemos ter a certeza que também não serão adequados para os humanos”, avisa-se no relatório.