Península de Setúbal vê-se novamente arredada do acesso aos fundos comunitários

Indústria e municípios surpreendidos pela ministra da Coesão Territorial que diz não ser necessária uma nova unidade territorial para que a região aceda a mais apoios.

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LM MIGUEL MANSO

A decisão do Governo de não avançar para a criação de uma unidade territorial mais pequena (NUT III) para a Península de Setúbal, que tinha sido considerada “urgente”, em Novembro, como forma de acabar com a discriminação da região no acesso aos fundos comunitários, deixou a indústria e os municípios locais apreensivos.

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A decisão do Governo de não avançar para a criação de uma unidade territorial mais pequena (NUT III) para a Península de Setúbal, que tinha sido considerada “urgente”, em Novembro, como forma de acabar com a discriminação da região no acesso aos fundos comunitários, deixou a indústria e os municípios locais apreensivos.

A ministra da Coesão Territorial defendeu quarta-feira, na Assembleia da República, uma nova estratégia “específica e especial” para a Península de Setúbal, sem necessidade da criação de uma NUT III (Nomenclatura de Unidades Territoriais para Fins Estatísticos). Ana Abrunhosa afirmou que a separação da península seria uma “fragmentação da Área Metropolitana de Lisboa (AML) com consequências a nível estratégico”.

A posição surge três meses depois de a mesma ministra ter dito, também no Parlamento, que era “urgente” constituir a NUT III.  “Estamos disponíveis a trabalhar com os concelhos para, rapidamente, ter em termos administrativos uma NUT III”, afirmou Ana Abrunhosa, em Novembro.

A governante defende agora que esse processo não é necessário nem pode ser concluído a tempo do actual Quadro Comunitário de Apoio porque a alteração o mapa das NUT, feito com o Eurostat, mesmo se fosse iniciada em Agosto deste ano só deveria terminar em 2027.

“Qualquer alteração a ser feita às NUT não seria feita em tempo útil para ser aplicada ao Portugal2030”, refere Ana Abrunhosa, que aponta como alternativa uma estratégia “especifica e especial” que permita à Península de Setúbal aproveitar não só os actuais fundos comunitários como também os do Plano de Recuperação e Resiliência.

“É possível e deve existir como já sucedeu no PT2020 e que podemos consolidar. Já tivemos avisos específicos e majoração de taxas de comparticipação para contribuir positivamente para podermos ter uma estratégia especifica e especial para Setúbal sem necessidade das NUT e cuidando do território”, defendeu a ministra, para sustentar que não há necessidade de alterar o estatuto da região.

Segundo Ana Abrunhosa, o Ministério está a “tentar junto do Instituto Nacional de Estatística (INE) que a produção estatística autonomize a informação estatística para monitorizar a evolução dos dados e justificar as medidas de valorização”

Apreensão e surpresa

A mudança de posição do Governo gerou reacções na região, com as grandes empresas apreensivas e os municípios surpreendidos.

A Associação Industrial da Península de Setúbal (AISET) ficou “muito apreensiva com as declarações da Senhora Ministra, que contradizem o que a própria declarou no Parlamento no dia 4 de Novembro”. Ao PÚBLICO, a associação informa ter enviado de imediato uma carta à ministra, a solicitar uma “reunião de emergência”, e avisa que Setúbal arrisca-se a estar mais 20 anos sem investimento comunitário.

“Se esta situação de integração da Península de Setúbal numa NUT que permita o acesso a fundos comunitários se mantiver, a região não terá acesso a nenhum financiamento até 2034”, conclui a AISET.

Já a Associação dos Municípios da Região de Setúbal (AMRS), que integra todos os novos municípios que integram a Península de Setúbal, acolheu as afirmações da ministra com “surpresa”.

“A NUT é uma questão de elementar justiça, não é um finca-pé ou teimosia regional. O processo é demorado, mas não é impossível. Não abdicamos de trabalhar para que seja criada a NUT adequada para que a região e o país não percam fundos, que lhe são devidos por não terem atingidos os objectivos de coesão”, disse ao PÚBLICO a secretária-geral da AMRS. Sofia Martins recorda que os municípios e outras entidades da região estão em “convergência absoluta” contra a discriminação da península e garante que não está em causa a fragmentação da AML.

“Não há nenhum documento que diga que as NUT tenham de coincidir com a divisão administrativa do país. Portugal assim quis, mas pode alterar isso. A constituição das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais (CIM) é uma criação nacional, que pode ser corrigida, não podemos é permitir que as regiões e o país percam dinheiro por causa disso”, afirma.

A responsável deixa bem claro que os municípios da AMRS querem integrar a AML. “Seremos sempre AML. Não aceitamos que nos digam que, para sermos NUT, tenhamos de deixar a AML”, atira.

A AMRS defende que o processo de criação da NUT deve prosseguir “mesmo que só fique concluído em 2027” e que, até essa data, terá de haver uma “solução de compromisso” que “compense o quadro de injustiça que foi criado”.

De acordo com Sofia Martins, a solução passa pelo acesso aos planos temáticos nacionais e pelo aumento da taxa de comparticipação dos fundos, em função do nível de convergência dos territórios. “Assim como queremos avisos condicionados para uma estratégia concreta, que permita dar avanço na convergência, sobretudo no emprego e nos sectores produtivos”, conclui.

Deputados reconhecem discriminação e aguardam solução

Os deputados eleitos pelo distrito de Setúbal que também têm acompanhado esta questão, olham para as novas declarações da ministra de formas diferentes.

Nuno Carvalho (PSD), que foi quem questionou Ana Abrunhosa na quarta-feira, aceita que a solução possa não passar pela criação de uma NUT, desde que seja posto fim à discriminação da península aos fundos comunitários e que respeitadas três preocupações: “é preciso que o acesso a fundos seja transversal a todos os sectores, que as taxas de comparticipação sejam adequadas, por exemplo, às pequenas e médias empresas, e que sejam elegíveis os investimentos em curso ou recentemente realizados”. No entender o deputado social-democrata, se as futuras candidaturas não puderem retroagir ao investimento já feito, as empresas que já não tinham acesso aos fundos comunitários e que viram os seus projectos congelados agora por causa da pandemia vão ser “duplamente discriminadas”.

Por parte dos eleitos do PS pelo distrito, Eurídice Pereira diz “esperar e acreditar” que as declarações da ministra não signifiquem um recuo. “Aquilo que a Península de Setúbal necessita é de robustez no financiamento e disse que reconhecia que a região carece de um olhar diferente”, refere a eleita socialista. “Sendo verdade que os efeitos de uma NUT III só serão possíveis para o quadro comunitário seguinte, também é verdade que não é possível estarmos parados até 2027”, defende Eurídice Pereira. A deputada acrescenta que o grupo parlamentar socialista eleito por Setúbal “esta a trabalhar para que que se abra, nos prazos correctos, a possibilidade de voltarmos a ser NUT III e, entretanto, entre o início do processo e a sua concretização, se encontrem os melhores mecanismos para que península seja discriminada positivamente”. E faz questão de vincar que “a NUT II desapareceu com uma reforma do PSD”.

O PCP defende também a reposição da NUT. “A situação é uma grande injustiça para a região, com constrangimentos não apenas sobre a informação estatística, mas também para a governação. A reposição deve ser concretizada”, disse a deputada Paula santos ao PÚBLICO.

Segundo a eleita comunista, a fragmentação da AML “é uma falsa questão”, que pode resolver-se “se o governo tiver vontade de alterar a lei”. Paula Santos conclui, por isso, que “o que existe é uma falsa de vontade política, deste e dos anteriores governos, para resolver o problema”.