“O que menos queria era chegar aos 18 anos e não saber em quem votar”: o testemunho de Manuel, na primeira ida às urnas

Manuel Francisco, albicastrense, tem 18 anos e estuda Música Clássica. Este domingo, 24 de Janeiro, terá poder de voto pela primeira vez e não toma os seus direitos e deveres democráticos de ânimo leve. Preocupa-o o apoio à cultura e às artes, a economia e o desinteresse pela vida política. Conta, na primeira pessoa, como se prepara para um dia que diz ser “especial”.

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Rui Gaudêncio

“Quero ter uma voz e fazer parte desta democracia. O dia das eleições é um dia especial, claro. A democracia vive do debate, da pluralidade de ideias e da voz da maioria. E é em democracia que eu quero viver.

O interesse pela política, a meu ver, significa estar empenhado em pensar, questionar e perceber como funciona o mundo que nos rodeia. É um pouco preocupante conhecer quem não se interesse por política, porque lhes falta essa vontade de discutir e interrogar.

Há muitos jovens com grande participação política, é preciso dar-lhes os parabéns pela voz activa que têm. Tenho amigos que se importam, outros que não. Mas até os que não querem saber de política reconhecem a importância de votar. Até porque se disserem que não vão votar, caímos-lhes logo em cima. 

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Manuel a tocar contrabaixo, instrumento que escolheu estudar na Escola Profissional de Artes da Covilhã.

Preocupa-me particularmente o apoio do Estado às artes e à cultura, e uma perspectiva económica.

Sempre dei imenso valor às artes. Quando era mais novo ouvia muito jazz. Estudei percussão no Conservatório Regional de Castelo Branco e decidi seguir música. Agora sou estudante de Música Clássica, na Escola Profissional de Artes da Covilhã, e troquei a percussão pelo contrabaixo. Fascina-me a complexidade de ambos os estilos.

Quando percebemos a subvalorização da cultura pelo Estado é impossível alguém do mundo artístico ficar satisfeito. Revolta-nos. O acesso às artes e à cultura é a única forma de cultivar as pessoas, de as estimular intelectualmente. Acho alarmante o Estado não as valorizar porque, a meu ver, reflecte um desinteresse na construção do pensamento crítico dos cidadãos. Estamos sempre a tentar reinventar-nos, encontrar novas formas de expor a nossa arte, mas nunca é fácil sem o apoio do Estado.

Para compreender melhor a vida política, achei importante, antes de mais, conhecer as ideologias e ter consciência do espectro político. Conhecer Marx, o liberalismo de John Locke e de Milton Friedman... Depois acompanhar os debates, ver as notícias, os jornais.

Acho que uma ideologia liberal seria benéfica, neste momento, para o país, e que as ideias liberais acabariam com uma estagnação socialista. Qualquer liberal acredita que o Estado deve ser pequeno e forte, e não grande e fraco, que o aparelho de Estado deve ser reduzido e a liberdade individual aumentada.

Também acho interessante uma maior flexibilidade na articulação entre serviços públicos e privados, para que as pessoas tenham maior liberdade de escolha. E penso que essa articulação só não acontece mais por preconceito ideológico.

Mas o mundo vai evoluindo, a realidade muda, e é possível que daqui a uns anos tenha uma opinião contrária. Não tenho nenhuma obsessão ideológica.

Em minha casa há um interesse por entender, por conhecer a política. A minha irmã estudou Ciência Política e Relações Internacionais e falamos sobre o assunto. Tento falar, por vezes não é fácil por causa das nossas diferenças ideológicas.

O liberalismo ainda é desconhecido para muita gente, pelo menos em Portugal, porque não tínhamos nenhum partido que o representasse. Noto que existe esse tal preconceito ideológico de muitas pessoas, que transmite uma postura um pouco antidemocrática. Se existem outros partidos em que as pessoas votaram democraticamente, há que os aceitar. A democracia vive da pluralidade de ideias.

[Um partido de extrema-direita] é um caso um pouco diferente. É o reflexo do descontentamento, aliado a alguma inconsciência histórica e até alguma ignorância. Ameaça muitas vezes a liberdade individual que o liberalismo defende, põe em causa a nossa liberdade de expressão, e acho que isso é o mais inquietante.

O dia de voto é um dia decisivo, mas a democracia não vive só do voto. O sistema democrático dá-me liberdade de expressão para me revoltar, protestar. As redes sociais têm um papel importante nesse aspecto, são um espaço acessível onde as pessoas podem estar descontentes. Isso ninguém nos pode tirar.

Estarei sempre cá para defender a arte e a cultura e para cumprir os meus direitos e deveres democráticos. O que menos queria era chegar aos 18 anos e não saber em quem votar.”