Os condenados da investigação

Os problemas da investigação científica em Portugal são crónicos: desde o envelhecimento da classe, à falta de transparência dos processos, passando pelo subfinanciamento de pequenos projectos em detrimento de megalomanias dos monopólios de investigação, sorvedouros de financiamento público.

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No icónico filme de Frank Darabont, Os Condenados de Shawshank, Andy Dufresne (Tim Robbins) é um banqueiro condenado a prisão perpétua, injustamente acusado da morte da sua mulher e do amante. É enviado para a prisão de Shawshank, onde enfrenta uma guerra contra um sistema opressor instalado, confronta-se com poderosos sem escrúpulos enquanto tenta desempenhar lealmente as funções que lhe são atribuídas. O dia-a-dia naquela sombria prisão americana é a metáfora perfeita do que é o trabalho científico em Portugal. 

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No icónico filme de Frank Darabont, Os Condenados de Shawshank, Andy Dufresne (Tim Robbins) é um banqueiro condenado a prisão perpétua, injustamente acusado da morte da sua mulher e do amante. É enviado para a prisão de Shawshank, onde enfrenta uma guerra contra um sistema opressor instalado, confronta-se com poderosos sem escrúpulos enquanto tenta desempenhar lealmente as funções que lhe são atribuídas. O dia-a-dia naquela sombria prisão americana é a metáfora perfeita do que é o trabalho científico em Portugal. 

Enquanto o protagonista do filme se vê envolvido numa trama complexa, que o limita e consome, sem que nada possa fazer para o contrariar, os investigadores portugueses vêem-se absorvidos por processos de selecção igualmente complexos e burocráticos, kafkianos em toda a escala, muitos deles decididos ainda antes de terem princípio.

A ausência de uma carreira integrada, os eternos contratos a prazo, a monopolização de recursos; não são a causa, mas sim consequência de uma comunidade científica envelhecida, fechada na sua torre de marfim, e que não se abre à sociedade civil – vê nas empresas uma ameaça. Torna-se assim um fim em si mesmo e o pleno oposto daquilo que são os fins a que se propõe servir.  

Nos últimos seis anos, Portugal captou um valor recorde de cerca de mil milhões de euros de financiamento ao abrigo do programa comunitário de investigação e inovação Horizonte 2020. Este programa não resolveu os problemas de subfinanciamento que a investigação científica possui cronicamente no nosso país – apenas 1,41% do PIB é alocado a esta área –, muito menos garantiu que os investigadores pudessem desempenhar a sua função em melhores condições, reduzindo a precariedade ou, apenas, garantindo uma maior estabilidade.

Pelo contrário, foi durante este período que a carreira de investigação mais se deteriorou e o intervalo de tempo durante o qual assistimos a mais manifestações por parte de investigadores, que pretendem ver o seu mérito justamente reconhecido. Este elevado financiamento europeu, que em nada melhorou o contexto da investigação e dos investigadores, em Portugal, permitiu à empresa de António Mexia, a EDP, amealhar mais de 9 milhões de euros e que a Unparallel Innovation, Lda, uma PME de base tecnológica, recebesse cerca de 7 milhões. 

Perante um público inflamado, e no limiar de uma condenação à morte, o físico italiano do séc. XVI, Galileu Galilei eternizou em surdina a expressão “No entanto ela move-se”. Sobre a investigação no nosso país, podemos proclamar que efectivamente o financiamento global é cada vez maior, no entanto ela permanece parada. Prova disso são os milhares de casos como o meu: apesar deste aumento de financiamento, continuamos a assistir a laboratórios obsoletos, onde o frio faz parte da mobília e a chuva é uma constante junto à hotte. Casos onde as pressões académicas e empresariais definem as metodologias, os acordos e as parcerias, tomando as rédeas à Ciência. Recordo, sem saudade, o momento em que no laboratório onde desenvolvia um projecto irrompeu pela porta um representante de uma grande empresa do sector agrícola à qual havíamos questionado informações sobre um composto químico. Deslocou-se centenas de quilómetros apenas com o propósito de obter informação sobre o nosso trabalho e exercer a sua pressão. 

Tal como eu, milhares são os jovens que, indisponíveis para ver a sua vida lançada anualmente numa roleta russa – cujo jackpot é uma bolsa de investigação –, cedem às tentações da indústria, onde grandes empresas acenam com melhores condições, vínculos menos precários e o Santo Graal desta geração: estabilidade. 

Os problemas são crónicos: desde o envelhecimento da classe, à falta de transparência dos processos, passando pelo subfinanciamento de pequenos projectos em detrimento de megalomanias dos monopólios de investigação, sorvedouros de financiamento público. As teias de influência nos sectores de investigação e a promiscuidade entre agentes políticos e dirigentes de instituições de ensino superior são a nossa noite das facas longas que tarda em ver a luz do dia. Como nesse fatídico serão, também aqui se elimina aquilo que é visto como uma ameaça ao status quo. Através da distribuição estratégica de cargos de poder, da atribuição de financiamento sem consulta do mérito e a utilização da carreira docente para a promoção partidária, conspurca-se o investigador comum, que se vê assim obrigado, para reconhecimento da sua virtude, a abandonar o país e assim ser livre para investigar.

O momento de raiva em que o director daquela prisão atira a pedra contra a parede e se apercebe da fuga de Andy é a imagem plena do Portugal do futuro, ao aperceber-se de que a geração mais capaz e qualificada de sempre é, ao mesmo tempo, a menos valorizada e a mais desperdiçada.