Debates: variações à volta do mel e da lama

Por detrás daquela frieza de esfinge egípcia, João Ferreira é um candidato bem preparado, com fibra, e capaz de ir a uma luta na lama e sair sem grandes prejuízos.

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João Ferreira e André Ventura protagonizaram debate quente ANTÓNIO ARAÚJO/Lusa

O risco de aceitar uma luta na lama em versão presidencial é enorme – é a tal frase de Bernard Shaw de que nunca se deve lutar com um porco, porque se fica todo sujo e ainda por cima o porco gosta. Agora, há outro risco imenso que ficou visível no debate Marcelo-Marisa: o excesso de mel torna-se enjoativo e derramar mel sobre as coisas torna as coisas pegajosas.

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O risco de aceitar uma luta na lama em versão presidencial é enorme – é a tal frase de Bernard Shaw de que nunca se deve lutar com um porco, porque se fica todo sujo e ainda por cima o porco gosta. Agora, há outro risco imenso que ficou visível no debate Marcelo-Marisa: o excesso de mel torna-se enjoativo e derramar mel sobre as coisas torna as coisas pegajosas.

É verdade que Marisa Matias e Marcelo Rebelo de Sousa têm perfis semelhantes – e, vendo bem, Marisa é o Marcelo do Bloco de Esquerda, pelo dom extraordinário da empatia política com que tem actuado na coisa pública. A empatia política pode corresponder também a empatia pessoal mas é uma categoria que vai muito para além disso. O problema é que no estúdio da RTP, na noite de sábado, houve uma overdose de empatia presente e o debate valeu zero para a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda. Mesmo nas profundas divergências políticas que os distanciam, o excesso de mel teve o condão de as fazer parecer irrelevantes – e não são. Mas os verdadeiros adversários de Marisa Matias são João Ferreira e Ana Gomes, os outros dois candidatos de esquerda que disputam uma parte de eleitorado comum.

Outra coisa é a lama, para onde André Ventura pretendeu arrastar João Ferreira, o candidato apoiado pelo PCP, num debate em que a própria moderadora, em desespero, dizia estar “em roda livre”. As dificuldades foram imensas – Ventura não deixava o opositor terminar uma frase – mas João Ferreira conseguiu sair de uma luta na lama a mostrar algumas qualidades que o país desconhecia. Afinal, não é só o “candidato engraçadinho” [para parafrasear uma frase de Jerónimo de Sousa dirigida às dirigentes do Bloco de Esquerda há alguns anos] que o PCP candidata a todos os cargos. Por detrás daquela frieza de esfinge egípcia, João Ferreira é um candidato bem preparado, com fibra, e capaz de ir a uma luta na lama e sair sem grandes prejuízos. Até à noite de sábado, não tinha a certeza se João Ferreira seria o melhor candidato a secretário-geral do PCP quando Jerónimo decidir abandonar o cargo. O ter sido preciso um debate com Ventura para chegar a essa conclusão não deixa de ser irónico.

Quanto a Ventura, há-de haver um momento em que os seus eleitores se vão cansar do estilo “terrorista” em debates deste género. Pode ser que não seja a tempo das eleições.