Covid-19: especialistas pedem instruções para o jantar de Natal

Especialistas concordam que o Natal deve ser comemorado — mas em segurança — e que regras devem ser apertadas no Ano Novo. Apesar de muitas rotinas para conter a covid-19 já fazerem parte do quotidiano dos portugueses, todos devem estar bem informados sobre o que devem ou não fazer.

Foto
Daniel Rocha

Um Natal com algum alívio das restrições, com confiança no comportamento “exemplar” dos portugueses, mas que “não será normal” — foi este o cenário traçado para o dia 24 e 25 de Dezembro durante a reunião de peritos da semana passada, no Infarmed, e depois confirmado por António Costa, este sábado, quando anunciou as medidas para a quadra natalícia.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Um Natal com algum alívio das restrições, com confiança no comportamento “exemplar” dos portugueses, mas que “não será normal” — foi este o cenário traçado para o dia 24 e 25 de Dezembro durante a reunião de peritos da semana passada, no Infarmed, e depois confirmado por António Costa, este sábado, quando anunciou as medidas para a quadra natalícia.

O primeiro-ministro assumiu que o Governo quis dar “um quadro estável” de referência para o período das festas e garantiu estar “certo que as famílias se saberão organizar”, daí que o Governo não tenha aprovado medidas ou limites para as reuniões familiares, como vai acontecer em vários países europeus, que limitam os encontros a seis ou dez pessoas.

Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO concordam que um limite de pessoas nas reuniões à mesa de Natal não faria sentido — por um lado porque é difícil definir esse “número mágico”, que varia de família para família, e, por outro, porque seria complicado fiscalizar o cumprimento desta medida. Dizem, no entanto, que é preciso dar orientações mais claras aos cidadãos para essa altura — e pedem às famílias que comecem a conversar entre si e a pensar como vão organizar um Natal em segurança. 

“Acho que precisávamos de um guião claro de regras para o Natal, coisas que as pessoas pudessem fazer nas suas casas, não regras que são impostas. Há cuidados que muitas vezes até já temos, mas que precisam de ser bem comunicados”, avança Bernardo Gomes, que diz não ser uma questão de “o que posso fazer”, mas sim de “o que devo fazer”.

Constantino Sakellarides afirma, por sua vez, que ainda há grupos populacionais que se encontram alheados de certas medidas e sublinha que a comunicação precisa de chegar a todas estas pessoas. Concorda com a ideia de um guia para estas ocasiões, mas afirma que não devemos estar à espera que o Governo assuma uma “posição paternalista”. “Devemos olhar para o exemplo dos vizinhos e amigos, exemplos reais e não abstractos, para nos organizarmos. E podemos deixar que as pessoas pensem nas suas próprias soluções com as informações e conhecimentos que têm, e isso não está a acontecer o suficiente”, diz o antigo director-geral da Saúde, que refere que só saberemos se as medidas adoptadas para a quadra festiva foram suficientes quando esta já tiver terminado.

As “quatro medidas de ouro” para um Natal seguro

Há quatro medidas de ouro a ter em conta para o Natal, segundo Bernardo Gomes. Apesar de nenhuma ser uma obrigação, todas podem contribuir para “minimizar o risco” de infecção nos convívios familiares: fazer as compras natalícias mais cedo; evitar reuniões com pessoas fora do círculo social; não passar a noite de Natal com a família e ficar em casa se tiver algum sintoma sugestivo da covid-19; e tornar os sete a dez dias antes do dia 24 e 25 de Dezembro “especialmente restritos em termos de contactos”. “Se fizermos isto teremos menos consequências dos ajuntamentos natalícios. Haverá sempre consequências, não vai ser indolente o facto de as pessoas se agruparem nessas noites porque nem sempre se respeitam todas as regras, mas temos todos de tentar minimizar o risco”, diz.

Admitindo que em certas famílias é difícil manter um convívio limitado a, por exemplo, dez pessoas, o especialista refere que é mais fácil controlar um possível aparecimento de vários casos se esta bolha, que deve ser composta pela família mais próxima, for mantida. Até porque, segundo diz, é normal que exista algum relaxamento na utilização de máscara e do distanciamento quando os contactos são prolongados. “É preferível não arriscar e fazer reuniões com grupos pequenos. Com grupos que sejam maiores e que juntem famílias diferentes, os mais vulneráveis devem ser colocados na ponta da mesa, junto aos contactos habituais”, avisa Bernardo Gomes.

Foto
Britânicos aproveitam fim-de-semana para fazer as compras de Natal REUTERS

"Estamos numa situação que não é confortável"

Apesar de as medidas anunciadas pelo Governo para a época natalícia terem sido aligeiradas, Raquel Duarte, do Instituto Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), alerta que Portugal ainda está “numa situação que não é confortável”.

“Estamos a assistir a uma diminuição do número de novos casos e a uma estabilização do número de internamentos em enfermaria e em cuidados intensivos, mas ainda estamos numa situação preocupante. Temos uma média de 4 mil casos por dia e temos que nos lembrar que em Setembro tínhamos uma média de 400. Se começarmos a ter um aumento das interacções sociais, algo que vai acontecer com o Natal, a situação vai piorar. Para evitar tudo isso é preciso que se comece já a pensar o Natal e que a população esteja bem informada do que pode e não pode fazer”, refere a especialista em saúde pública.

E como é que as famílias se poderão organizar? Devem conversar e perceber quem pode passar a época festiva com quem, idealmente com o menor número possível de convidados. Raquel Duarte diz não acreditar num “número mágico” de familiares que se podem reunir à mesa, mas sim no respeito pelas medidas que já se conhecem, como a utilização de máscara quando não se está a comer e o distanciamento de pelo menos um metro e meio. E acima de tudo afirma que é necessário perceber que não poderemos ter um Natal igual ao dos anos passados. "Só porque podemos transitar de concelho e não temos um limite para as reuniões familiares não quer dizer que possamos fazer tudo como fazíamos antes”, avança Raquel Duarte.

Um ano Ano Novo mais restrito que o Natal

É comum que os jantares e almoços dos dias 24 e 25 de Dezembro sejam passados com diferentes partes da família, mas Raquel Duarte sublinha que este ano isso não pode acontecer. “Não podemos ter uma reunião com pessoas diferentes em todas as refeições, é um erro muito grande. Haver um mesmo grupo que se mantém nestes dias é muito importante ou corremos o risco de uma só pessoa poder infectar vários agregados familiares”, afirma.

E no Ano Novo, altura em que é costume juntar não só família, mas grandes grupos de amigos, é preciso ter ainda mais cautela. A especialista em saúde pública diz que as medidas mais apertadas para o último dia do ano de 2020 e os primeiros de 2021 fazem sentido. “No Natal todos queremos estar com a família, mas no Ano Novo temos mesmo de ter mais atenção aos nossos comportamentos”.

Já Bernardo Gomes acredita que a revisão das medidas para a época festiva que será feita no dia 18 pelo Governo, poderá incluir alterações para o Ano Novo que, segundo o especialista, deve ser” ainda mais restritivo que o Natal”, até porque ainda há uma “semana perigosa” entre as duas celebrações. “Às vezes temos a sensação que todos já sabem os comportamentos a ter, mas nos últimos dias já ouvi pessoas a dizerem que agora já podemos ter eventos com muita gente. Não é pelo facto de não estar proibido que as pessoas não se devem salvaguardar porque se existir muito facilitismo no Natal e no Ano Novo vamos ter um Janeiro muito difícil”, avisa.

Para que Portugal chega à altura do Natal com o menor número de casos possível, os concelhos com risco de transmissão de covid-19 muito elevado e extremo voltarão a ter proibição de circulação na via pública a partir das 13h nos próximos dois fins-de-semana.