Autocaravanas e carrinhas em zona protegida geram preocupação em Sintra

Mesmo já não sendo Verão, as praias portuguesas continuam a atrair surfistas e muitos vêm em autocaravanas.

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miguel manso

Nos limites do concelho de Sintra, em São João das Lampas, acumulam-se todos os dias autocaravanas e carrinhas que os moradores da freguesia acusam de não respeitar a lei e de poluírem o espaço, incluído em zona protegida.

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Nos limites do concelho de Sintra, em São João das Lampas, acumulam-se todos os dias autocaravanas e carrinhas que os moradores da freguesia acusam de não respeitar a lei e de poluírem o espaço, incluído em zona protegida.

O Verão já deixou Portugal. Contudo, em Sintra (distrito de Lisboa), embora as praias estejam já desertas, as ondas não partiram e surfistas de toda a Europa sabem-no. Mesmo com as temperaturas mais baixas, o sol lusitano é um atractivo extra e, por isso, muitos vêm até Portugal para surfar. Fazem milhares de quilómetros desde países como Holanda, França, Bélgica e Alemanha.

É o caso de Jannis, um jovem alemão de 26 anos. Veio da Alemanha e está há dois meses em viagem. Primeiro parou em França, “para apanhar as primeiras ondas”, mas o destino final foi Portugal, concretamente a zona de Sintra e Ericeira (concelho de Mafra), onde está há duas semanas.

“Já é a terceira vez que venho a Portugal, volto sempre que posso”, afirma, enquanto desfaz a barba com a ajuda preciosa do espelho retrovisor da carrinha de nove lugares que o trouxe ao país.

Jannis diz desconhecer a lei portuguesa que o proíbe de estacionar e pernoitar naquela zona, à beira do areal da praia de São Julião. Estamos em pleno Parque Natural Sintra-Cascais (PNSC) e a lei é clara.

“A prática de caravanismo, campismo ou outra qualquer forma de pernoita em locais não destinados para o efeito constitui uma contra-ordenação”, pode ler-se no decreto-lei 124/2008, que estabelece o regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade e que regulamenta as áreas protegidas nacionais.

Contudo, o jovem alemão conta que já está por ali há alguns dias e que ninguém o informou ou sequer passou por ali em qualquer acção de vigilância. Explica também que tem o cuidado de não deitar fora qualquer lixo e que mantém o espaço “limpo e preservado”.

Queixas acumulam-se com o lixo

Não é isso que relatam, em relação à maioria dos casos, muitos moradores desta zona saloia de Sintra e que faz fronteira com o concelho de Mafra.

“A praia de São Julião está transformada numa concentração de autocaravanas. Já apresentei queixa a todos os organismos, Guarda Nacional Republicana, Polícia Municipal, Câmara Municipal de Sintra, Junta de Freguesia da Terrugem e São João das Lampas, mas nada acontece e o problema mantém-se”, conta à Lusa Luís Duarte, morador na zona e que diz que basta um pequeno passeio pelo espaço que circunda este “parque de estacionamento” para encontrar “o lixo e os dejectos” deixados pelos visitantes nas arribas.

A poucos quilómetros do local, na Assafora, a última aldeia antes de chegar a São Julião, Joaquim Lapa toma conta do restaurante-snack bar a que, originalmente, chamou O Lapa. O comerciante confirma que “se se entrar pelo mato se encontra muita porcaria”, mas ressalva que estes “turistas do surf” “não fazem mal a ninguém”.

“É gente que não faz mal a ninguém. Vêm fazer surf e depois vão embora. Antes iam para a Foz do Lisandro, mas como a Câmara Municipal de Mafra lá colocou umas barras, e agora as caravanas não passam, passaram a vir para aqui”, conta o comerciante, lamentando que, apesar de passarem à sua porta, estes turistas de ocasião não consumam.

“É gente que não traz negócio porque preferem ir ao supermercado e fazer as coisas deles. Mas mesmo assim já ouvi falar lá em baixo de umas festas com roulottes a vender gins. À noite, para quem lá passa, parece uma aldeia com luzinhas”, confirma, sorridente, Joaquim, que diz depois, em tom mais sério, que “com uns balneários públicos se resolvia o assunto”.

A ideia pode parecer válida, mas não é assim tão simples de pôr em prática. Quem o diz é o presidente da União das Freguesias de São João das Lampas e Terrugem, Guilherme Ponce de Leão, referindo que a situação de que se queixam os moradores “é real”, mas que “a Junta está de pés e mãos atadas”.

“O espaço de que estamos a falar pertence ainda à zona marítima, por estar a menos de 50 metros da costa. Por isso, é competência da Polícia Marítima. Não temos absolutamente nada a ver com isto e não há nada que possamos fazer”, afirma.

Ponce de Leão vai mais longe e diz que só a “inércia” do PNSC pode explicar este tipo de situação e o ponto a que se chegou.

“A entidade responsável é o PNSC, porque a Câmara de Sintra não pode promover qualquer melhoria, mesmo que quisesse. Isso infelizmente passa-se em toda a minha freguesia, em que não há qualquer investimento e estamos votados ao abandono. Estamos inseridos num PNSC que existe só no papel e que na prática nada faz”, acusa o presidente, indicando que a poucos metros, já no concelho de Mafra, e fora da esfera de influência do PNSC, o problema não se coloca.

“Na Ericeira foram construídas todas as condições para que não haja problemas, que só existem do lado de Sintra porque o PNSC é uma entidade que só proíbe e não promove qualquer desenvolvimento”, aponta Ponce de Leão.

Fiscalização não resolve tudo

A Câmara de Sintra reconhece o problema e informa que a Polícia Municipal tem desenvolvido acções de fiscalização no local para dissuadir os infractores, mas admite que pouco mais pode fazer para pôr fim aos incómodos de que os moradores se queixam.

“A área referenciada, em São João das Lampas, é uma zona onde não se pode pernoitar independentemente do veículo. A autarquia de Sintra já informou as autoridades competentes desta situação e solicitou a sua intervenção”, refere, numa resposta à Lusa, deixando a garantia de que “irá continuar a encetar diligências no sentido de evitar e punir infracções deste tipo”.

Numa resposta por escrito, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), organismo responsável de gerir e valorizar os recursos florestais e a biodiversidade, afirma que “a actividade de autocaravanismo é uma prática em crescendo no território nacional e que quando exercida no cumprimento da legislação em vigor representa uma mais-valia para o sector do turismo”.

Ainda assim, esta entidade estatal reitera que, “de acordo com o regulamento do Plano de Ordenamento do PNSC, a prática de caravanismo, fora dos locais para tal destinados, constitui uma actividade interditada”. O instituto diz que, “no ano corrente, as equipas de fiscalização do Departamento de Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo realizaram várias acções de fiscalização” e que estas “incidiram sobretudo na orla costeira”.

O ICNF sublinha também que “pretende desenvolver uma estreita articulação com as demais entidades públicas com competência na matéria, a Agência Portuguesa do Ambiente, as autoridades municipais, forças de segurança pública e capitanias”, no sentido de dar resposta “à procura de locais adequados para a prática de autocaravanismo e à instalação de suportes de informação que esclareçam as comunidades locais e turistas estrangeiros sobre esta actividade”.