Bruxelas avisa que injecções dos Açores ameaçam auxílio de Estado à SATA

A Comissão Europeia aprovou o auxílio de Estado à companhia área, mas pediu novas informações sobre o passado da empresa. Injecções de capital dos Açores podem inviabilizar o auxílio de estado.

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LUSA/GREGORIO CUNHA

A 18 de Agosto, o conselho de administração da companhia área SATA mostrava “grande satisfação” pela aprovação de Bruxelas ao auxílio de Estado de 133 milhões à empresa. Um apoio fundamental para “suprir as necessidades urgentes da companhia”, afirmava a empresa açoriana em comunicado.

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A 18 de Agosto, o conselho de administração da companhia área SATA mostrava “grande satisfação” pela aprovação de Bruxelas ao auxílio de Estado de 133 milhões à empresa. Um apoio fundamental para “suprir as necessidades urgentes da companhia”, afirmava a empresa açoriana em comunicado.

Neste mesmo dia, a Comissão Europeia avisava: o apoio é aprovado, mas carece de mais informações do lado português. Sem novos dados e novos argumentos, o auxílio de Estado pode ficar em risco. Tudo porque existiram três aumentos de capital, entre 2017 e 2020, promovidos pelo Governo dos Açores à empresa pública regional, que além de não terem sido notificados à Comissão Europeia, poderão contrariar as normas europeias.

O aviso da comissão surge numa carta enviada pela vice-presidente Margrethe Vestager, que tutela a política de concorrência, ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. A missiva de 24 páginas, a que o PÚBLICO teve acesso, datada de 18 de Agosto, foi enviada no seguimento da aprovação ao auxílio de estado à transportadora açoriana. Um auxílio que consiste numa garantia de Estado para a empresa poder endividar-se junto de entidades privadas.

“A comissão conclui que, nesta fase, nem os aumentos de capital nem o empréstimo de emergência parecem cumprir as condições de compatibilidade do mercando interno”, lê-se no documento, que realça que, “neste momento”, a Comissão “não pode considerar” que os apoios do Governo Regional foram “compatíveis com o mercado interno”.

Em causa estão três injecções de capital: uma de 21,5 milhões, outra de 27 e outra de 80 milhões. No total, desde 2017 e até 2020, o governo açoriano pretende injectar 128,5 milhões na transportadora área. Uma parte do último apoio, cerca de 23 milhões, está previsto decorrer até 2023.

Ora, por um lado as regras de Bruxelas impedem apoios estatais a transportadoras áreas, por desvirtuarem a concorrência. Por outro lado, os auxílios de Estado que agora são permitidos pela Comissão Europeia destinam-se, apenas, a companhias que ficaram em dificuldades devido ao impacto da covid-19. Por isso, os auxílios estão proibidos caso tenham existido ajudas do Estado nos últimos dez anos.

No documento, Vestager salienta que a SATA está em “dificuldades financeiras” desde “pelo menos” 2014. No documento, é apresentada a evolução da dívida financeira da empresa, que tem vindo aumentar há três anos consecutivos: em 2017 era de 167 milhões, em 2018 de 214 e em 2019 de 256 milhões. Agora, a Comissão Europeia avisa que vai investigar o passado da companhia e atira a responsabilidade para o Estado português. “Cabe a Portugal demonstrar que os aumentos de capital a partir de 2017 não foram ajudas do Estado”.

Agir como um privado

Na missiva é exposta a primeira fase da defesa portuguesa. Portugal considera que os aumentos de capital do passado “não devem ser qualificados” como auxílios de Estado, porque o Governo Regional é o único accionista da companhia e “actuou como investidor privado a operar nas condições de mercado normais”. Por isso, o “impacto financeiro” para o accionista “teria sido superior” ao valor dos apoios: “um accionista comparável e com exposição económica semelhante, teria agido nos mesmos termos em que o Governo dos Açores agiu”. Também por isso é que as injecções de capital dos Açores não foram notificadas à Comissão Europeia.

Os argumentos nacionais residem também nas “condições” em que opera a SATA, devido às obrigações de serviço público que realiza – quer ao nível das ligações inter-ilhas, quer no número de voos com continente. Defende Portugal que a “situação do accionista da SATA não pode ser comparada com a de um grupo privado”, e que, por isso, “as condições de mercado devem ser avaliadas por referência ao objectivo que é atribuído à SATA”.

A Comissão Europeia discorda, alegando que a SATA teve acesso a um financiamento “em condições que de outra forma não obteria no mercado”, pelo que os aumentos de capital “são susceptíveis de melhorar a posição do beneficiário” em relação a outras empresas concorrentes “reais ou potenciais”, que não obtiveram “apoios estatais semelhantes” e que “têm de se financiar em condições de mercado”, dando o exemplo da Ryanair, Jetairfly e Arkefly. São apoios que, conclui, “distorcem ou ameaçam falsear a concorrência”.

Devido a tudo isto, a Comissão diz que “deve examinar” se os aumentos de capital podem ser considerados auxílios de Estado. Além da própria investigação, Bruxelas alerta: Portugal deve provar que as injecções de capital foram tomadas mediante “avaliações” que levariam um investidor em condições idênticas a tomar a mesma decisão. A Comissão Europeia também quer ver provada a tese de que as injecções de capital foram realizadas em condições excepcionais e conhecer os termos em que a companhia realiza as obrigações de serviço público. Se as obrigações de serviço público não fossem atribuídas à empresa, a Comissão quer saber quanto tempo e em que condições seria possível escolher uma empresa alternativa para promover as ligações em causa. 

Região ultraperiférica

Existe um assunto em que Portugal e Bruxelas parecem concordar: a importância da SATA para os Açores. O ministério de Augusto Santos Silva defende que a companhia aérea tem uma “importância sistémica para a região”, sobretudo ao nível no turismo. Em caso de falência da SATA, o impacto seria grande e em diversas frentes, porque “um segmento importante de empresas” - “hotéis, restaurantes, eventos sociais e culturais, lojas de retalho e outras actividades” – veria as suas “dificuldades aumentadas” sem as operações da companhia, que trazem “turistas e pessoas da diáspora” açoriana na América do Norte onde existem cerca de 1,5 milhões de açorianos e descendentes.

Portugal refere que sem as injecções de capital, a empresa, uma das “maiores empregadoras da região”, deixaria de “cumprir pagamentos imediatos” a fornecedores e funcionários e que, em última análise, a “continuidade territorial” entre o continente e o arquipélago açoriano poderia ficar em causa. “Os Açores são uma economia num caminho de desenvolvimento, mas com desafios críticos a superar”.

A Comissão Europeia reconhece que o fim da SATA iria provocar “severas dificuldades” para a região, destacando que os Açores são uma “região ultraperiférica da União Europeia”. Uma região que tem pela frente “vários desafios”, sobretudo devido à “distancia geográfica” do arquipélago e pelas “lacunas socioeconómicas” da região – os Açores registam, por exemplo, a taxa de pobreza mais elevada do país (31,8%, quando a média nacional foi de 17,2% em 2018) e a maior desigualdade de rendimento do país (37,6% em 2019, enquanto a média nacional foi de 31,9%).

A Comissão Europeia destaca, também, que desde o início da propagação da covid-19 a SATA “nunca deixou” de voar (mediante as restrições impostas pela Autoridade de Saúde), seja para transportar passageiros ou mercadorias, garantindo o “abastecimento indispensável” às ilhas açorianas. Por isso, Bruxelas também refere que sem o auxílio de Estado a ligação de e para os Açores “desaparecia ou seria drasticamente reduzida”.

A carta conclui referindo que o auxílio de Estado de 133 milhões é aprovado, mas com condições. Para os próximos meses, a SATA está obrigada a apresentar um plano de reestruturação que deverá ser validado por Bruxelas. Já Portugal está obrigado a, no “prazo de um mês a contar da data de recepção” da carta, enviar novas “observações” e “informações” que comprovem que os apoios do passado atribuídos à empresa açoriana são compatíveis com o auxílio de Estado.