O futuro em debate: Portugal e a transição digital

A digitalização da economia é mais do que colocar serviços online, é um caminho para uma sociedade mais ágil, adaptada e competitiva a nível global. Temos aqui um óptimo ponto de partida para que Portugal possa demonstrar a liderança na construção destas sociedades do futuro.

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John Schnobrich/Unsplash

É frequente ouvirmos que Portugal é um país pequeno e periférico, e por isso a nossa economia viverá sempre a reboque da Europa. Discordo dos dois adjectivos. Somos o 14.º maior país da Europa Ocidental (de um total de cerca de 50) em termos de população, e o 18.º em área. Quanto a ser periférico, é só abrir qualquer mapa mundial e percebemos que estamos bem no meio do eixo EUA-Europa, os nossos parceiros económicos por excelência.

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É frequente ouvirmos que Portugal é um país pequeno e periférico, e por isso a nossa economia viverá sempre a reboque da Europa. Discordo dos dois adjectivos. Somos o 14.º maior país da Europa Ocidental (de um total de cerca de 50) em termos de população, e o 18.º em área. Quanto a ser periférico, é só abrir qualquer mapa mundial e percebemos que estamos bem no meio do eixo EUA-Europa, os nossos parceiros económicos por excelência.

Facilmente descartamos uma discussão de como podemos acelerar o desenvolvimento de Portugal com as desculpas acima — que são apenas características do país que não podemos alterar. Felizmente, não faltam iniciativas que podemos considerar para sairmos do nosso lento desenvolvimento económico, e nem tudo é baixar impostos. Foi com este mote que os Global Shapers Lisbon e a plataforma 100 Oportunidades desenvolveram a carta “50 medidas para um debate intergeracional de fundo na sociedade portuguesa pós covid-19”. Uma das áreas estratégicas para esta discussão é, naturalmente, a nossa economia. Vamos a factos. 

Portugal é dos países onde as empresas gastam mais horas para pagar impostos (dados do Banco Mundial) e com a segunda taxa de imposto mais alta sobre as empresas da Europa, de 31%. As grandes empresas não pagam, naturalmente, 31%. Essas têm alternativas noutros países europeus com quadros fiscais mais favoráveis. Para as 99,9% das pequenas e médias empresas (PME), essa alternativa não existe — temos o selo “Portugal sou eu”. Se calhar deveria criar-se o selo “Portugal pago eu”.

Falar na urgência de baixar os impostos é fácil, por isso foquemo-nos em criar condições para que mais empresas possam ser criadas, e que o seu tempo seja investido, não em navegar burocracia, mas em criar valor acrescentado para os seus clientes, e, com isso, gerar mais receita fiscal.

O conselheiro estratégico do Governo, António Costa e Silva, defendeu recentemente a criação de uma espécie de “Loja do Cidadão” para empresas, que concentraria a multitude de obrigações legais e fiscais a que as empresas estão sujeitas.

Um exemplo de um “país pequeno e periférico”

A Estónia entrou no novo milénio com um PIB per capita de 4,000$ e com 29% da população com acesso à Internet. Nessa mesma altura, o PIB per capita português situava-se nos 11,500$ e tínhamos 27,4% de pessoas com acesso à Internet. Segundo os últimos dados, referentes a 2019, o PIB per capita da Estónia saltou para 23,692$ e a utilização de Internet para 91% (2016). Em Portugal? O PIB é de 23,100$ e a população com acesso à Internet situava-se, em 2017, em 66,8%. Ou seja, a Estónia, em 20 anos, quintuplicou a riqueza média dos seus cidadãos. Portugal, nem duplicou.

Os passos dados pela Estónia foram assentes numa estratégia bem clara de desburocratização e digitalização que passou por cinco fases:

  1. No ano 2000, definiram o objectivo de ter um computador em cada sala de aula, e todas as escolas online. Foi dada, também, formação digital a 10% da população adulta;
  2. O primeiro digital ID na Estónia (equivalente à nossa Chave Móvel Digital) foi criado em 2002, cobrindo 98% de toda a população do país. Em Portugal, esta já é activada por mais de um milhão de portugueses;
  3. Em 2014, foi lançado o programa de e-residentes, que está agora a ser lançado em Portugal (e em vários outros países europeus, como a Polónia);
  4. Criação de empresas totalmente digital e com a possibilidade de ser feita por estrangeiros. Em Portugal, a grande maioria dos serviços são feitos apenas em português e é muito comum ouvir queixas de estrangeiros de que nas Lojas de Cidadão e demais serviços públicos ninguém fala inglês;
  5. Criação de “unicórnios” tecnológicos. A Estónia tem quatro empresas tecnológicas (que, apesar da sua dimensão, continuam a ter grandes operações no país) avaliadas em mais de mil milhões de euros. O nosso PSI-20 tem apenas oito empresas avaliadas acima deste valor.

Existe uma nova geração de empresas, de base tecnológica e não só, que querem contribuir para criarmos esta economia portuguesa de futuro. A maior prova desta determinação foi a criação do projecto Tech4Covid, que em poucas semanas juntou mais de 5000 profissionais de várias áreas para lançar 34 projectos. Em Abril, a OCDE já considerava Portugal o país com o maior número de projectos inovadores de resposta à actual pandemia.

A digitalização da economia é mais do que colocar serviços online, é um caminho para uma sociedade mais ágil, adaptada e competitiva a nível global. Temos aqui um óptimo ponto de partida para que Portugal possa demonstrar a liderança na construção destas sociedades do futuro.