Monitorizar as deslocações das pessoas “não só é aberrante, é muito perigoso”

Para D. José Ornelas, Portugal esteve bem nas medidas de contenção adoptadas com o intuito de salvar vidas. Mas alerta que levar essas medidas para além da estrita necessidade de controlar os contágios “é um caminho directo para os totalitarismos”.

Foto
ADRIANO MIRANDA

Como avalia o risco de as democracias saírem fragilizadas da pandemia?
Não podemos ser democratas ao ponto de perguntar à criança acabada de nascer qual é a papinha que vai comer. Penso que as medidas de contenção que adoptámos foram de defesa, de tornar possível a vida, e nisso acho que estivemos muito bem. Agora, se isso é feito no sentido de manipular pessoas, deixa de ter sentido. E algumas das manifestações que por aí vieram, mesmo de querer impor normas de contenção que vão para além da necessidade de controlar os contágios, de aproveitar, por exemplo, o monitorizar das deslocações de pessoas, não só é aberrante, é muito perigoso. E é um caminho directo para os totalitarismos. Agora o apelar, e o quanto mais possível, à participação das próprias pessoas num projecto comum de defesa da vida mas, ao mesmo tempo responsável, foi também o que na Igreja procurámos fazer, com a adopção das medidas de contenção e de adiamento de manifestações fundamentais para nós como as celebrações da eucaristia com a presença das pessoas. Isso foi algo que foi assumido com sofrimento, na mesma lógica de respeito pelas pessoas e pela vida na sua totalidade porque a vida não é simplesmente uma questão biológica é uma questão de dignidade e de participação e de relação, que não pode ser restringida se não para defesa de valores maiores.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Como avalia o risco de as democracias saírem fragilizadas da pandemia?
Não podemos ser democratas ao ponto de perguntar à criança acabada de nascer qual é a papinha que vai comer. Penso que as medidas de contenção que adoptámos foram de defesa, de tornar possível a vida, e nisso acho que estivemos muito bem. Agora, se isso é feito no sentido de manipular pessoas, deixa de ter sentido. E algumas das manifestações que por aí vieram, mesmo de querer impor normas de contenção que vão para além da necessidade de controlar os contágios, de aproveitar, por exemplo, o monitorizar das deslocações de pessoas, não só é aberrante, é muito perigoso. E é um caminho directo para os totalitarismos. Agora o apelar, e o quanto mais possível, à participação das próprias pessoas num projecto comum de defesa da vida mas, ao mesmo tempo responsável, foi também o que na Igreja procurámos fazer, com a adopção das medidas de contenção e de adiamento de manifestações fundamentais para nós como as celebrações da eucaristia com a presença das pessoas. Isso foi algo que foi assumido com sofrimento, na mesma lógica de respeito pelas pessoas e pela vida na sua totalidade porque a vida não é simplesmente uma questão biológica é uma questão de dignidade e de participação e de relação, que não pode ser restringida se não para defesa de valores maiores.