Relatório iliba polícia de Hong Kong e diz que violência dos agentes não pode ser “arma política”

Era aguardado com expectativa o documento do observatório policial sobre o que se passou nos protestos pró-democracia de 2019. Faz recomendações genéricas. A oposição classifica-o de “superficial” e diz que “faz vista grossa à brutalidade policial desproporcionada”.

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Manifestantes de Hong Kong detida pela polícia a 2 de Setembro de 2019. A fotografia é uma das imagens da Reuters que ganhou o Pulitzer este ano TYRONE SIU/Reuters

O observatório da polícia de Hong Kong pediu que sejam revistas as regras para o uso de gás lacrimogéneo e o treino que é dado aos agentes da ordem pública, num muito aguardado relatório que os deputados pró-democracia do Parlamento local já descreveram como “superficial”.

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O observatório da polícia de Hong Kong pediu que sejam revistas as regras para o uso de gás lacrimogéneo e o treino que é dado aos agentes da ordem pública, num muito aguardado relatório que os deputados pró-democracia do Parlamento local já descreveram como “superficial”.

As relações entre a polícia e a população desabaram durante os meses de protestos contra o Governo da região chinesa de administração especial, com acusações generalizadas por parte dos cidadãos de uso excessivo da força contra os manifestantes.

No relatório de 999 páginas, o Conselho Independente para as Queixas sobre a Polícia (IPCC) estudou o comportamento dos agentes nos meses que se seguiram a Junho de 2019, quando os protestos violentos pararam partes da cidade e abriram a maior crise política em décadas. 

Apesar de não ter considerado a responsabilidade individual de cada agente, IPCC diz que a polícia agiu segundo as regras, embora haja margem para as melhorar.

E acrescenta que as acusações de brutalidade policial não devem ser usadas “como arma de protesto político” porque se trata de “uma questão legal e não política” uma referência que parece ser a resposta aos manifestantes pró-democracia, que exigiam um inquérito independente aos acontecimentos.

Nos comentários a um dos episódios mais controversos, o IPCC diz não ter encontrado provas de conluio entre a polícia e membros de gangs durante um ataque de uma multidão no bairro Yuen Long, a 21 de Julho do ano passado. 

Porém, o relatório identificou deficiências na mobilização da polícia e noutras actuações nesse dia, quando uma multidão de homens com camisas brancas espancou manifestantes e pessoas que passavam no local com bastões e paus. 

O ataque em Yuen Long deu origem a mais protestos e gerou um sentimento anti-polícia, que muitos acusaram de ter respondido tardiamente à violência dos agressores.

O deputado da oposição Kenneth Leung, que já fez parte do IPCC, diz que o relatório não satisfaz a exigência da população, que pedia uma comissão de inquérito independente.

“Muitas destas recomendações são superficiais e genéricas”, disse Leung. “Não podem pensar que com este relatório o assunto está resolvido e arrumado.”

Muitos manifestantes estão zangados com o que classificam de violência policial e com a detenção de oito mil pessoas. Grupos de defesa dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional, acusaram a polícia de uso desproporcionado da força e de ter cometido outros abusos durante as manifestações pró-democracia.

“O relatório fez vista grossa à brutalidade policial desproporcionada”, disse o deputado pró-democracia Fernando Cheung. “Este relatório eliminou o pouco que restava da credibilidade do IPCC.”

"Era de terrorismo"

O relatório diz que a antiga colónia britânica parece ter sido arrastada para uma “era de terrorismo”, ecoando comentários recentes do Governo de Pequim e de altos funcionários de Hong Kong.

A polícia tem dito que foi contida na sua resposta perante “altos níveis de violência”.

Nos confrontos mais intensos durante os meses dos protestos, manifestantes  muitos usando máscaras e vestidos de negro – atiraram bombas incendiárias contra a polícia e contra edifícios do Governo, entraram no Conselho Legislativo (o parlamento local), destruíram estações de metropolitano e bloquearam estradas.

A polícia respondeu com gás lacrimogéneo, balas de borracha, canhões de água e disparou várias salvas de fogo real para o ar, por vezes advertindo antecipadamente os manifestantes de que iam fazê-lo, através de bandeiras.

Sobre a entrada no Conselho Legislativo, o relatório diz que a polícia podia ter impedido a acção erguendo barreiras de protecção mais eficazes.

A pandemia da covid-19 e as ordens rígidas de confinamento para impedir o alastramento na China fizeram os protestos perder ímpeto este ano, mas o movimento está a regressar à medida que o isolamento é levantado.

Os protestos eclodiram devido a uma proposta de lei de extradição que permitiria que suspeitos fossem enviados para a China continental, para serem julgados, mas transformaram-se rapidamente num grande levantamento pró-democracia e independência em relação a Pequim. Foi exigido um inquérito independente aos acontecimentos.

Porém, resistindo a essas reivindicações, a chefe do Governo local, Carrie Lam, insistiu que o IPCC seria capaz de conduzir um inquérito imparcial. Os membros do IPCC, um observatório que é um departamento da polícia, são nomeados por Lam.

A credibilidade do painel sofreu um revés em Dezembro do ano passado, quando cinco especialistas estrangeiros saíram por duvidarem que o observatório tivesse “capacidade para fazer uma investigação independente”.

E a forma como a polícia actua perante protestos voltou a estar debaixo dos holofotes no fim-de-semana passado, quando usaram gás pimenta em jornalistas e obrigaram alguns a ajoelhar-se numa zona vedada. Num raro gesto, o chefe da polícia disse, na quinta-feira, que os seus homens deviam ter agido de forma mais profissional perante representantes da imprensa.

Com Sarah Wu e Marius Zaharia; Reuters