Covid-19: Governo blinda Estado de compensar privados nas PPP

Concedente público exclui-se de indemnizar privados por perdas ocorridas durante o estado de emergência, que termina às 00h de 4 de Maio. Só no caso das concessões rodoviárias pode a epidemia ser justificação para alongar prazos

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Adriano Miranda

Por decreto-lei ontem publicado em Diário da República, o Governo vem “estabelecer um regime excepcional e temporário de reequilíbrio financeiro de contratos de duração duradoura”, como por exemplo as parcerias público-privadas nas concessões rodoviárias, “no âmbito da pandemia da doença covid-19”.

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Por decreto-lei ontem publicado em Diário da República, o Governo vem “estabelecer um regime excepcional e temporário de reequilíbrio financeiro de contratos de duração duradoura”, como por exemplo as parcerias público-privadas nas concessões rodoviárias, “no âmbito da pandemia da doença covid-19”.

A decisão já tinha sido anunciada, no dia em que foi aprovada em Conselho de Ministros, a 17 de Abril, um mês depois de ter entrado em vigor o estado de emergência, renovado a 2 de Abril. Ontem, foi anunciado o levantamento do estado de emergência a partir das 00h de 4 de Maio, próxima segunda-feira.

No preâmbulo do decreto-lei n.º19/2020 (DL), que entrou hoje em vigor, o executivo liderado por António Costa salienta que “a situação excepcional que se vive no momento actual exige a participação de todos, impondo-se a adopção de medidas também em matéria de contratos de execução duradoura, designadamente de parceria público-privada”.

Vem então o DL incluir “medidas extraordinárias e temporárias” que visam “limitar os efeitos negativos que decorreriam para o Estado do accionamento, em simultâneo, do exercício de eventuais direitos compensatórios pelos contraentes privados sem qualquer restrição”. É uma “limitação de direitos”, reconhece o legislador, que contudo justifica: as opções agora tomadas são “necessárias, adequadas e proporcionais aos fins que se visam alcançar e ao estado de excepção”.

Fica assim determinada a “suspensão, durante a vigência do estado de emergência, das cláusulas contratuais e disposições normativas que prevejam o direito à reposição do equilíbrio financeiro ou a compensação por quebras de utilização em qualquer contrato de execução duradoura, incluindo parcerias público-privadas, em que o Estado ou outra entidade pública sejam parte, não podendo os contraentes privados delas valer-se por factos ocorridos durante o referido período”.

O Governo determina ainda que estas medidas, porque excepcionais em contexto de estado de emergência, não se configuram como uma modificação unilateral por parte do parceiro público (com todas as consequências legais, processuais e eventualmente financeiras que isso poderia ter) e reafirma que “não dão lugar a indemnização pelo sacrifício os danos resultantes de actos regularmente praticados pelo Estado ou outra entidade pública”, por causa “de força maior”.

Mais tempo em vez de dinheiro

Também como já previsto na resolução do CM de 17 de Abril, caso haja, após o fim do estado de emergência, lugar a ajuste financeiro entre público e privados, ele será feita por prolongamento do prazo da concessão, não em compensação financeira directa por parte do Estado.

Lê-se no DL: “eventuais direitos à reposição do equilíbrio financeiro”, por causa da pandemia, “apenas podem ser concretizados através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato, não dando lugar, independentemente de estipulação legal ou contratual, a revisão de preços ou assunção, por parte do contraente público, de um dever de prestar à contraparte”.

É público que pelo menos uma concessionária, a Brisa, já fez a protocolar comunicação, a 9 de Abril, da “ocorrência de um caso de força maior” decorrente do impacto na circulação das suas concessões rodoviárias na sequência da imposição de estado de emergência e recolher dos cidadãos ao confinamento domiciliário. É um passo obrigatório caso as concessionárias, mais tarde, venham a solicitar um pedido de reequilíbrio financeiro ao Estado pela falta de receitas por falta de tráfego (principal indicador para aferição das compensações em sede de contrato de concessão), lá está, por um motivo “de força maior”.

É precisamente para os casos das PPP rodoviárias, que o Governo vem agora salvaguardar que “certas obrigações do parceiro privado devam ser objecto de redução ou suspensão por parte do parceiro público durante o período do estado de emergência, tendo em conta, em particular, os níveis de tráfego actuais e sem prejuízo da salvaguarda da segurança rodoviária”. O Estado não compensa pela falta de tráfego em estado de emergência, mas, ao mesmo tempo, permite que à concessionária rodoviária seja reduzida o nível de cumprimento dos deveres a que está sujeita normalmente. 

Mas, com a respectiva adequação dos pagamentos pelo Estado: “Nos casos em que a remuneração destes parceiros privados advenha de pagamentos do concedente ou subconcedente deve ainda ser determinada a redução dos pagamentos devidos na medida da redução ou suspensão das respectivas obrigações”.