A luz e a sombra nas montanhas mágicas de Mário Cunha

Biólogo e fotógrafo, Mário Cunha anda à procura da luz, e da dança delas com os picos e os vales da serra do Gerês. A paixão, que se parece mais com um amor imune a todas as canseiras, há-de dar um livro. Em que a natureza não será apenas um pano de fundo.

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As fotografias de Mário Cunha são um hino à persistência e à paciência, qualidades que hoje, por outros motivos, somos convidados a exercitar dentro de casa. Mas se essas características humanas dizem aparentemente pouco sobre a estética de uma imagem, bastará olharmos para as dele para percebermos quão essenciais são para o resultado final de um projecto que este biólogo tornado fotógrafo vem desenvolvendo, há um ano, na serra do Gerês, caminhada a caminhada. O destino há-de ser um livro, onde a luz que ele persegue, fugidia, terá, no papel, um merecido descanso.

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As fotografias de Mário Cunha são um hino à persistência e à paciência, qualidades que hoje, por outros motivos, somos convidados a exercitar dentro de casa. Mas se essas características humanas dizem aparentemente pouco sobre a estética de uma imagem, bastará olharmos para as dele para percebermos quão essenciais são para o resultado final de um projecto que este biólogo tornado fotógrafo vem desenvolvendo, há um ano, na serra do Gerês, caminhada a caminhada. O destino há-de ser um livro, onde a luz que ele persegue, fugidia, terá, no papel, um merecido descanso.

Cada um de nós tem o seu pote de ouro, lá nos montes onde o arco-íris acaba. Mas o pote de Mário Cunha está é cheio de luz. Coada à vezes, e cansada de batalhar por entre as nuvens, para aquecer a pele granítica e acinzentada daquelas montanhas, ela está (quase) sempre lá, a desenhar a paisagem: puxando pelas cores do arvoredo que a mais de mil metros de altitude desafia a falta de quase tudo; e impondo profundidade às feridas abertas pela água e pelo vento nos maciços rochosos só aparentemente monótonos da mais acidentada das serras do único parque nacional do país. 

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Mário Cunha apaixonou-se pela paisagem de montanha na Noruega Diana Carneiro

Mário Cunha nasceu há 33 anos na Póvoa de Varzim, a hora e meia dos trilhos por onde acede às suas montanhas mágicas, mas, como muito do que amamos na vida, foi só depois de uma experiência no estrangeiro que se apaixonou por elas, a ponto de lhes dedicar uma parte importante do seu tempo. Casado com Diana Carneiro, bióloga também, passaram ambos alguns anos na Noruega, para fazerem, a partir dali, o respectivo doutoramento. Ele ainda andava, então, de olhos postos nas marinhas, esses esguios parentes dos cavalos-marinhos que lhe garantiram o diploma, mas já se perdia a fotografar a paisagem verde, mas pedregosa também, daquele país.

E o facto é que as marinhas ficaram para trás, como a biologia, na verdade, no caso de Mário. Regressados a Portugal, perceberam ambos, num passeio pela serra, quanto o Gerês os reconduzia à Noruega onde lhes nasceu a filha, e ele já sentia que o que queria ser era fotógrafo. Quando não está a guiar turistas pelos trilhos, por conta de uma empresa do sector (actividade que a pandemia suspendeu), leva gente ao monte, para partilhar com ela o que sabe dessa arte de captar instantes (outra coisa que deixou, nestes tempos, de fazer, e que está a substituir por formação online, que qualquer pessoa pode subscrever no seu site). Mas é noutros momentos ainda que ele vai mais longe, de câmara às costas, na esperança de surpreender esse namoro, quantas vezes fugaz, entre a luz e a sombra.

Tenta não ir sozinho. Algumas das caminhadas, que ele vê também como um convite à contemplação da natureza, são longas, por caminhos íngremes, onde rara é a gente que passa. Já dormiu nos planaltos geresianos, à espera de um beijo matinal do sol que só alguns pastores e montanhistas afoitos testemunharam. Mas também já esperou que o dia acabasse, para que o sensor da câmara lhe devolvesse a montanha fria, azul na sua nudez, como lhe aconteceu nas Portas Ruivas. Que, de ruivas, ainda assim mantiveram algo, nesse entardecer a que ele assistiu depois de seis horas para lá chegar. 

A maior parte das pessoas que visita as franjas desta área do parque nacional, percorrendo vias mais acessíveis, vai à procura das suas albufeiras, lagoas, fontes e termas, que atraem milhares de turistas. “O Gerês é muito conhecido pela água, mas eu escolhi fotografar a rocha porque essa é também a sua essência”, resume o biólogo que, logo com a primeira imagem que seleccionou das suas incursões iniciais na serra viu essa sua opção, que não é meramente documental, ser reconhecida. Quando o Gelo Arde ganhou o primeiro prémio na categoria Paisagens Naturais de Portugal da edição de 2019 do festival Imaginature, que se realiza em Manteigas. 

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A luz, no dorso das Portas Ruivas DR/Mário Cunha

O resultado do seu trabalho é a conjugação entre a sua capacidade de imaginar o lugar nas circunstâncias meteorológicas certas, como aconteceu neste caso, e a circunstância programada de estar lá, quando essas circunstâncias, espera ele, se darão. Percebe-se, nesta descrição, quanto a persistência - que o impele a repetir a viagem, se preciso for - e a paciência são ferramentas tão essenciais quanto o material fotográfico ou a técnica do autor. Uma máquina profissional pode resistir à chuva, mas quantos de nós, mesmo weather sealed, também, com roupas apropriadas, resistiriam ao enregelar dos dedos, às trovoadas e até à neve, para perseguir um instante que pode demorar horas a acontecer?