Precisamos de máscaras?

Se uma ditadura política condiciona os povos e coarcta a sua capacidade criativa e inventiva, uma ditadura contra o diferente, aquele que não aperta a máscara como deve ser, mata pessoas.

É inevitável o uso de máscaras desde que o ser humano existe. A circunstância de concentrarmos em nós tantas formas de ser, estar e agir ao longo do tempo, do espaço e na relação com os demais vai-nos exigindo que afivelemos uma dada forma de estar, falar, calar, em função das expectativas dos outros e de nós mesmos. A isso chama-se maturidade, inteligência emocional e é fruto de milénios de evolução dos hominídeos.

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É inevitável o uso de máscaras desde que o ser humano existe. A circunstância de concentrarmos em nós tantas formas de ser, estar e agir ao longo do tempo, do espaço e na relação com os demais vai-nos exigindo que afivelemos uma dada forma de estar, falar, calar, em função das expectativas dos outros e de nós mesmos. A isso chama-se maturidade, inteligência emocional e é fruto de milénios de evolução dos hominídeos.

Donde, Carnaval, neste preciso sentido, é o ano inteiro e ainda bem. A patologia surge quando alguém não consegue aproximar-se do seu verdadeiro “self”, ao menos nos ambientes em que, por natureza, se devia sentir protegido. O velho bordão inglês “my house is my castle” pode bem ser adaptado para “my brain is my castle”.

Não há saúde mental sem essa muralha inexpugnável onde nos defrontamos com as zonas de penumbra existentes em recantos da personalidade de cada um de nós e com os mais belos e prazerosos pensamentos. Onde entra quem nós permitimos, se e na medida em que nós mesmos compreendemos o que temos para mostrar, amiúde mostrando demais ou de menos. Nestas coisas da interacção humana inexiste um dispositivo medidor do dar e do receber e a balança nem sempre tem de estar equilibrada. 

Patológico, ainda, sobretudo por causar enorme sofrimento interior, é afivelar-se uma máscara áspera, que não cabe no rosto, com a qual nalguém não se identifica, em especial por temor da reacção social. Esse é o percurso complexo e espinhoso que muitos/as vão fazendo, enfim libertando-se do peso social de ser casado/a, heteronormativo/a, com filhos, com um emprego das 9h às 17h, vestindo-se de certo modo que se tem por “adequado”, não se desviando do que as supostas expectativas exigem.

Mais ainda dando-se o paradoxo de o problema internalizado parecer tão gigantesco que se teme uma reacção societária desproporcionada que, na generalidade dos casos, não existe. Bem vistas as coisas, somos todos muito pequenos e insignificantes para captarmos a atenção dos outros. E quando o fazemos, em regra tudo é momentâneo, até que a espuma dos dias se substitua por outra, mesmo que menos apelativa, mas uma outra já, pois a palavra de ordem do nosso mundo é “momento”. Ora, a libertação de qualquer máscara compara-se ao quebrar de diques que não comprimiam água, mas um magma que finalmente conhece a sua realidade e irradia as terras que o acolhem. É exactamente aqui – na pressão social que todos exercemos, consciente ou inconscientemente – que devemos parar para pensar.

Se a humanidade for sempre um rebanho absolutamente igual, a voz dos diferentes, amiúde aqueles que guiam o dito rebanho, em especial se repelida pelas várias manifestações de força, nunca se fará ouvir. E nesse singelo grito podia estar um enorme factor de felicidade global, uma ideia genial, uma simples palavra ou gesto que apaziguaria guerras internas e externas. Se o rebanho não consentir posições divergentes, então é o espírito ditatorial que perdura. Se uma ditadura política condiciona os povos e coarcta a sua capacidade criativa e inventiva, uma ditadura contra o diferente, aquele que não aperta a máscara como deve ser, mata pessoas. Matar não é o simples acto de tirar a vida física, mas também o de impedir que alguém viva como é, sem mais, postergando-o ao terreno de um purgatório terreno. 

O Carnaval, para além da folia que o caracteriza, podia bem ser o momento de transformar as máscaras em véus aptos a que pudéssemos ver em espelho, no outro, a nossa própria humanidade e, com isso, compreendermos que a massa de que nos compomos é exactamente a mesma. Esse é o princípio de qualquer empatia que apaga diferenças artificiais e que faz de todos nós aquilo de que mais nos podemos orgulhar: de as máscaras não nos cerrarem os olhos ao sofrimento alheio.