Kobe, ainda bem que te admirei a tempo

Kobe Bryant tinha abraçado a nova fase da vida como se se tratasse de mais uma temporada na NBA e, como em todas as suas épocas, dele só esperávamos o melhor. Connosco fica o legado e a certeza de que o Black Mamba vai continuar a inspirar gerações.

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Reuters/Jerome Miron

Quando um ídolo parte, vemo-nos inesperadamente frente a frente com a nossa própria mortalidade. Elevamos pessoas, na sua essência iguais a qualquer outra, a um patamar sobre-humano, e nunca esperamos delas demonstrações de vulnerabilidade como os comuns dos mortais. Por outras palavras, achamos que os nossos ídolos estão livres de algo inevitável como a morte — ou, pelo menos, de uma morte precoce.

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Quando um ídolo parte, vemo-nos inesperadamente frente a frente com a nossa própria mortalidade. Elevamos pessoas, na sua essência iguais a qualquer outra, a um patamar sobre-humano, e nunca esperamos delas demonstrações de vulnerabilidade como os comuns dos mortais. Por outras palavras, achamos que os nossos ídolos estão livres de algo inevitável como a morte — ou, pelo menos, de uma morte precoce.

Por este motivo, a morte de Kobe Bryant continua a ser um acontecimento que parece desfasado da realidade, mesmo três dias depois. Um dos melhores jogadores de basquetebol de todos os tempos, alguém que dentro do campo era capaz de feitos e acrobacias ao alcance de poucos, com uma capacidade de superação e força psicológica inigualável, Kobe era para centenas de milhões de fãs a referência transcendente e intocável pelo infortúnio.

Passei os primeiros anos da adolescência a sentir-me incomodado com os feitos de Kobe. Nascido no fim dos anos 90, entrei no novo século a ver vezes sem conta uma cópia do filme Space Jam (1996, Joe Pytka), gravado em VHS. Uma “lavagem cerebral” tal que precisei de comprar outra cassete e que me deixou convencido de duas coisas: não havia modalidade mais extraordinária do que o basquetebol e Michael Jordan (MJ) era rei e senhor do desporto da bola laranja. Crenças que, até à data, se mantêm inalteradas.

Como tal, à medida que cresci e comecei a dedicar mais tempo à NBA, não olhei muito agradado para um basquetebolista que era comparado a MJ. Torci contra Kobe no primeiro jogo que os meus pais me deixaram ver em directo em dias de aulas, o Jogo 7 das Finais de 2010, em que os seus Los Angeles Lakers defrontaram os Boston Celtics. O Black Mamba acabou por vencer o jogo e conquistar o segundo anel consecutivo, quinto e último da carreira.

Aos poucos fui percebendo que o desprazer provocado por Kobe se devia à sua verdadeira grandeza. Não passava de um miúdo de 13 anos a sentir que alguém tentava roubar o lugar do meu ídolo. Ganhei maturidade e pude aproveitar realmente Kobe Bryant. Com muita pena minha, durante pouco tempo.

Em 2013, Bryant rompeu o tendão de Aquiles no antepenúltimo jogo da fase regular, numa altura em que os Lakers lutavam por um lugar nos playoffs. Aos 34 anos, o corpo traiu uma primeira vez Kobe, que não recolheu aos balneários sem antes mostrar mais uma prova do seu carácter: levantou-se, caminhou sozinho até à linha de lance livre e converteu as duas tentativas – já sem a estrela em campo, os Lakers viriam a ganhar o jogo por 2.

A Mamba Mentality, essa mentalidade que ao longo dos anos mostrou ser tão grandiosa como até algo doentia, permitiu que Kobe recuperasse, mas as temporadas seguintes continuaram a não ser meigas, com lesão atrás de lesão. A idade tinha apanhado Kobe e o próprio jogador percebeu isso. Um mês depois do começo da época 2015-16, Kobe publicou uma declaração de amor ao basquetebol, em que anunciava o fim da carreira no final da época. Já um fã convertido de Kobe, soltei uma lágrima com o poema. O texto viria a servir de base para uma curta-metragem de animação que permitiu a Kobe Bryant ser a primeira pessoa a juntar um Óscar aos troféus de MVP da NBA e MVP das Finais da NBA.

Antes de sair de cena, Kobe Bryant ainda conseguiu dar ao mundo do basquetebol uma última demonstração da sua grandeza. No último jogo da carreira, aos 37 anos, Kobe tomou conta da partida como se estivesse de novo no auge das suas capacidades: com o olhar assassino tão característico ao longo da carreira, jogou como se ainda tivesse alguma coisa a provar ao mundo, depois de 20 anos de carreira, como se fosse o primeiro jogo de um jovem que entrou na NBA vindo directamente do ensino secundário. Marcou 60 pontos – o máximo para alguém com 37 anos – e venceu o jogo sozinho, como havia feito tantas vezes ao longo de duas décadas.

Se a minha paixão pelo basquetebol se deve ao seu mentor, o meu carinho pelo desporto deve-se, em grande parte, a Kobe Bryant. Foi o mais próximo a que pude assistir do meu ídolo, sempre mostrou a mesma força de vontade, a mesma audácia, um querer que é possível encontrar em apenas uma mão cheia de atletas.

Kobe inspirou uma geração inteira de jogadores que agora dominam a liga, mas a sua Mamba Mentality vai muito além do basquetebol. A carreira e os feitos de Kobe Bryant serviram para mostrar a todos os seus seguidores que nada é impossível, desde que trabalhassem sempre mais do que todos os outros.

Já penduradas as sapatilhas, Kobe fez questão de continuar a partilhar toda a sabedoria, um propósito que encontrou na recta final da carreira. Durante as pausas da NBA, passou a trabalhar sempre com os jovens jogadores que o procuraram. Pelo meio, ainda conseguiu ganhar o tal Óscar. Fundou a Mamba Sports Academy para poder ajudar uma nova geração a perceber como chegar ao topo das suas capacidades. A morte de Gianna “Mambacita” Bryant, a filha que parecia destinada a continuar o enorme legado do pai, agrava ainda mais a tragédia.

Kobe Bryant tinha abraçado a nova fase da vida como se se tratasse de mais uma temporada na NBA e, como em todas as suas épocas, dele só esperávamos o melhor. Connosco fica o legado e a certeza de que o Black Mamba vai continuar a inspirar gerações.

Heroes come and go, but legends are forever.

Obrigado, Kobe.