A reforma do Papa Francisco

A reforma de Francisco com o levantamento do segredo pontifício tem o mérito de afirmar os valores da transparência e da abertura.

A História disputa a ideia de se a Contra-Reforma Católica surgiu como uma reacção de defesa à Reforma, que conduziria ao aparecimento do protestantismo e de outras correntes dissidentes, ou se ela resulta de uma renovação que já fazia o seu caminho no interior da Igreja Romana e de que luteranismo foi, de certa forma, um caminho diferente.

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A História disputa a ideia de se a Contra-Reforma Católica surgiu como uma reacção de defesa à Reforma, que conduziria ao aparecimento do protestantismo e de outras correntes dissidentes, ou se ela resulta de uma renovação que já fazia o seu caminho no interior da Igreja Romana e de que luteranismo foi, de certa forma, um caminho diferente.

O mais provável é que ambas as premissas estejam, com pesos diferentes, correctas, como é certo que desde há muito existem vozes no interior da Igreja Católica que condenam com veemência a gestão que a Cúria Romana tem feito da questão do abuso de menores no seu seio, mas também é claro que o clamor público em torno do amontoar de escândalos se tornou uma força que conduziu o Papa Francisco para a mudança, nomeadamente a da última semana, com o levantamento do segredo pontifício nos casos de abusos sexuais.

Mas será sempre de sublinhar que a reforma de Francisco tem o mérito de afirmar os valores da transparência e da abertura, enquanto mesmo com todos os melhoramentos que a Contra-Reforma gerou ela também ampliou a acção da Inquisição e a criação do Index. A atitude de Bergoglio ainda se torna mais relevante quando colocada em contraste com a de alguns dos seus antecessores, nomeadamente João Paulo II, que já possuía todo os dados para perceber a doença que corroía a Igreja e a sua imagem pública.

O caso dos Legionários de Cristo, que hoje conhecemos em toda a sua horrenda dimensão, é nisso exemplar, pois durante décadas, até 2006, ou seja, durante todo o pontificado do Papa João Paulo II, o Vaticano negou as acusações daqueles que foram maltratados por Marcial Maciel e por outros padres da ordem que ele fundou em 1941, no México.

Só Maciel é responsável por cerca de um terço dos abusos de 175 menores, entre eles os filhos que teve secretamente com duas mulheres. E, porventura, não será coincidência que o cardeal Solano, que foi figura chave do pontificado do Papa polaco e um dos defensores dos legionários, tenha renunciado à função de Decano do Colégio dos Cardeais este sábado.

Numa altura em os católicos de todo o mundo se preparam para celebrar o nascimento de uma criança, é de sublinhar este gesto histórico do Papa Francisco que, como sublinha Frei Bento Domingues, só terá verdadeiramente sentido se for acompanhado por idêntica atitude das comunidades católicas de cada país. Em Espanha, o segredo pontifício serviu para ocultar muitos crimes. Como terá sido em Portugal?