Protestos ganham intensidade em dia de banho de sangue em Karbala

Desemprego, corrupção, serviços públicos muito ineficientes - os iraquianos protestam há quase um mês e o Governo de Abdel Abdul Mahdi continua a responder com repressão. Num ambiente de grande violência e em que as armas proliferam, já morreram 250 pessoas.

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Contestado há mais de um mês nas ruas, o Governo iraquiano continua a reprimir os manifestantes, causando a morte a mais de 250 pessoas desde o início do mês. O mais recente episódio de repressão aconteceu esta terça-feira em Karbala, a norte de Bagdad, onde houve um banho de sangue quando as forças de segurança abriram fogo contra manifestantes, causando pelo menos 18 mortos e 800 feridos, diz a Al-Jazira.

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Contestado há mais de um mês nas ruas, o Governo iraquiano continua a reprimir os manifestantes, causando a morte a mais de 250 pessoas desde o início do mês. O mais recente episódio de repressão aconteceu esta terça-feira em Karbala, a norte de Bagdad, onde houve um banho de sangue quando as forças de segurança abriram fogo contra manifestantes, causando pelo menos 18 mortos e 800 feridos, diz a Al-Jazira.

Os manifestantes montaram tendas na Praça da Educação, no centro de Karbala, em protesto contra o desemprego, a corrupção generalizada e os ineficientes serviços públicos, destruídos por anos de guerra e falta de investimento. Por lá permaneceram até passar por eles um carro cujos ocupantes dispararem contra a multidão, que se tentou proteger-se como pôde, diz a Al-Jazira. A seguir, surgiu um grupo de homens, vestidos de preto, que disparou indiscriminadamente contra quem protestava.

Incendiaram-se tendas e os relatos de mortes e feridos sucederam-se, com as autoridades a recusarem responsabilidades no ataque e a acusarem a imprensa de incitarem os iraquianos ao protesto. “As forças de segurança exerceram a maior constrição”, disse o governador de Karbala, Nassif al-Khattabi, acusando os manifestantes de transportarem armas e de terem em sua posse “uma bomba internacionalmente proibida”. 

Não se sabe exactamente quem começou o ataque. Há indicadores de que milícias pró-Irão, um dos principais apoios do Governo iraquiano e que participaram nos combates contra o Daesh no país, participam na tentativa de controlar pela força os protestos. “As milícias pró-iranianas tomaram cada uma um sector de Bagdade e são responsáveis pela sua segurança”, disse uma fonte à jornalista Patrick Cockburn do Independent, referindo que “atiradores furtivos apontam à cabeça e coração dos manifestantes”. Alguns dos alvos são os líderes locais dos protestos – alguns foram mortos em casa.

O acesso a armas, nomeadamente às AK-47, é relativamente fácil no país desde a invasão norte-americana, em 2003, e podem custar poucas dezenas de dólares. Com a tensão entre os manifestantes e o Governo a subir, é comum verem-se armas nas manifestações. Quando a polícia ou as milícias abrem fogo, os manifestantes respondem com balas. A violência nos protestos, que se intensificou nesta terça-feira, levou o Governo a enviar a unidade de elite de contraterrorismo para as ruas da capital e de Nassíria, onde os confrontos são dos mais intensos desde o início dos protestos

Receia-se que o que se passou em Karbala, cidade santa para os xiitas, seja um ponto de viragem na revolta popular e na repressão – tornando ambos os lados ainda mais violentos. 

Ao contrário de protestos anteriores, os de agora não se regem por divisões étnico-religiosas, mas por um conjunto de exigências em que muitos dos iraquianos se revêem como nação, diz a Reuters. Os anos de guerra civil, entre 2005-2007, os protestos de 2012/13 e de 2016 e o surgimento do Daesh, e das suas atrocidades, fizeram com que muitos manifestantes se unissem. A repressão está também a ter esse efeito unificador.

O Governo declarou o recolher obrigatório para tentar conter os protestos, mas sem sucesso. E fez promessas que foram ignoradas por falta de credibilidade – os iraquianos consideram-no fraco e incapaz de melhorar as condições de vida do cidadão comum. 

Governo começa a quebrar

O fosso entre a sociedade civil e o Governo aprofunda-se de dia para dia e o executivo do primeiro-ministro, Abdel Abdul Mahdi, começa a quebrar. O líder do maior bloco parlamentar, o líder religioso sunita Moqtada al-Sadr, exigiu eleições legislativas antecipadas fiscalizadas pelas Nações Unidas e sem que os actuais partidos participem nelas.

A coligação liderada por Al-Sadr dá a maioria parlamentar necessária para que o executivo de Mahdi se mantenha. No sábado, anunciou que vai passar para a oposição. O líder religioso também tem, até aqui, levado a cabo uma dupla estratégia: apoia os protestos e chegou até à apelar à greve geral e, ao mesmo tempo, apoiava até agora o Governo que critica publicamente.

Al-Sadr tenta capitalizar o descontentamento sem querer liderar os protestos, para não criar divisões étnicas (sunitas contra xiitas), tentando beneficiar com o descontentamento generalizado em futuras eleições. Se for bem sucedido, terá ainda que responder ao complexo xadrez geopolítico que o actual executivo não está a conseguir gerir: não ser visto como uma marioneta dos interesses norte-americanos ou iranianos. 

Muitos iraquianos vêem a elite política vergada quer aos Estados Unidos quer ao Irão, potências que dizem estar mais preocupadas com a influência regional do que com o bem-estar dos iraquianos, relatam os repórteres da Al-Jazira no Iraque.

Apesar de os protestos mobilizarem todos os iraquianos, as manifestações eclodiram em zonas com governos xiitas e contra políticos e milícias xiitas (apoiadas pelo Irão). 

A população acusa Mahdi de despender a energia do Governo a controlar as milícias xiitas, por pressão dos Estados Unidos (cujas instalações no país já fora atacadas). Ao fazê-lo, descurou, dizem os iraquianos, as reais preocupações de quem vive e trabalha no país: o desemprego, a corrupção e a falta de serviços públicos básicos.

Apesar de ser um país rico em petróleo, o Iraque tem uma elevada taxa de desemprego e as suas infra-estruturas estão em mau estado, com falhas no abastecimento de electricidade frequentes.

Os manifestantes exigem mudanças estruturais e não apenas mudança de políticos no Governo. Num ambiente em que proliferam armas de ambos os lados, os protestos não param de se multiplicar e as manifestações são cada vez mais participadas. Teme-se que o banho de sangue de Karbala se repita.

Nesta terça-feira, e apesar da ordem de recolher obrigatória, dezenas de milhares de pessoas juntaram-se ao início da noite na Praça Tahrir de Bagdad. “É a maior multidão que alguma vez vi”, relatava a correspondente da Al-Jazira em Bagdad, Natasha Ghoneim, acrescentando que o ambiente era “turbulento e começava a ficar caótico”.