A Vanessa encontrou o Cavia no supermercado

Uma das características do Cavia é a constância. Demasiadas vezes a Vanessa desvalorizou as delícias da inexistência, na vida, de espanto, sobressalto, perturbação, pasmo. Felizmente, de cada vez que voltava a andar com o Cavia, sentia o prazer inesperado de não estar à espera de qualquer prazer inesperado. Isto não é uma contradição.

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E então a Vanessa encontrou o Cavia mais rapidamente do que eu pensava. Ligou-me quando eu estava a fazer várias análises, uma das quais a uma coisa esquisita, relativamente à qual sou presumível suspeita, chamada “intolerância à lactose”. O processo demora horas e obriga a quase 10 picadelas de seringa – embora não de uma seringa idêntica à do Nick Cave.

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E então a Vanessa encontrou o Cavia mais rapidamente do que eu pensava. Ligou-me quando eu estava a fazer várias análises, uma das quais a uma coisa esquisita, relativamente à qual sou presumível suspeita, chamada “intolerância à lactose”. O processo demora horas e obriga a quase 10 picadelas de seringa – embora não de uma seringa idêntica à do Nick Cave.

Quando o telemóvel tocou eu pensava em queijo e manteiga com um alto grau de autocomiseração. Nunca mais aquele meio centímetro de manteiga estupidamente gelada em cima de um pão. Nunca mais Serpa, Serra. Nunca mais Grana Padano, Pecorino. Nunca mais Camembert, nunca mais Manchego. Nunca mais Cheddar. Nunca mais queijo coalho da Baía. Felizmente, aquele flamengo português a saber a batata cozida tem uma alternativa muito razoável sem lactose cujo sabor, embora com uma excelência menor, se aproxima bastante da batata cozida.

Encontrei o Cavia!!!! É incrível! Está na mesma.

Uma das características do Cavia é a constância. Demasiadas vezes a Vanessa desvalorizou as delícias da inexistência, na vida, de espanto, sobressalto, perturbação, pasmo. Felizmente, de cada vez que voltava a andar com o Cavia, sentia o prazer inesperado de não estar à espera de qualquer prazer inesperado. Isto não é uma contradição.

Mas como foi esse encontro com o Cavia? (Desta vez senti-me grata pelo telefonema da Vanessa me vir tirar da cabeça a manteiga da ilha das Flores e a tábua mental de queijos).

Foi absolutamente fantástico. Encontrei-o no supermercado das Amoreiras. Estávamos os dois a olhar para os legumes congelados, a comparar preços e tal. E depois dei-lhe um encontrão.

(Lembrei-me de uma cena de “Os Maias” em que o Dâmaso Salcede diz que, no caso dele, seduzir mulheres é “de encontrão”, mas achei simpático ficar calada).

É incrível que depois de lhe dar o encontrão pedi-lhe desculpa com o meu melhor sorriso, ‘tás a ver? E ele também se riu imenso. Percebi logo que estava ali o Cavia.

E como é? Vão jantar, tomar café, ir ao cinema?

Esquece, isso do ir ao cinema já era. Para que raio duas pessoas vão a um sítio onde têm que ficar caladas? Nunca percebi essa coisa do ir ao cinema na nossa geração. No tempo dos nossos pais percebia-se, pelo menos era o único sítio escuro onde se podiam meter.

Mas tu e o Cavia combinaram alguma coisa?

Vamos sair na sexta-feira.

Isso é óptimo! (Devo ter falado com um grau de euforia excessivo que até a senhora do laboratório revirou os olhos)

Não estejas assim tão entusiasmada. Eu vou sair com o Cavia. É isto. Só.

E o meu pensamento rumou a um queijo de Cabrales, que com alta probabilidade nunca mais voltarei a comer.