Bangun, a aldeia na Indonésia que sobrevive à base da reciclagem de lixo

À Indonésia chega lixo proveniente dos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Face à quantidade de resíduos recebida, o Governo reforçou as regras de importação, enviando centenas de toneladas de volta para os países de origem — uma decisão que não foi bem recebida em Bangun, uma aldeia que sobrevive da reciclagem desse lixo.

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As duras medidas aplicadas pela Indonésia para fazer face aos resíduos importados do exterior deixaram marcas na aldeia de Bangun, onde os moradores dizem que ganham mais dinheiro a arrumar pilhas de lixo do que a cultivar arroz em campos que, outrora, foram exuberantes.

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As duras medidas aplicadas pela Indonésia para fazer face aos resíduos importados do exterior deixaram marcas na aldeia de Bangun, onde os moradores dizem que ganham mais dinheiro a arrumar pilhas de lixo do que a cultivar arroz em campos que, outrora, foram exuberantes.

Sobrecarregada por um aumento nas importações de resíduos desde que a China fechou as suas portas ao lixo estrangeiro, a Indonésia reforçou as regras de importação e inspecções alfandegárias, enviando centenas de toneladas de lixo estrangeiro de volta para os países de origem.

Os grupos de defesa do ambiente congratularam-se com a posição do Governo, mas os residentes de Bangun afirmam que restringir a quantidade de lixo que chega de países como os Estados Unidos, Canadá e Austrália vai acabar com uma das principais fontes de rendimento da aldeia. 

“Se nos vão proibir de fazer isto, deve haver uma solução. O Governo não nos deu trabalhos”, disse Heri Masud, num momento de descanso depois de vasculhar o lixo empilhado em redor da aldeia onde moram 3600 pessoas.

A parte da frente e as traseiras das casas em Bangun estão cheias de lixo, em terrenos que antes eram usados para cultivar arroz. Os moradores procuram plástico ou alumínio para venderem às empresas de reciclagem. Os produtores de tofu também compram lixo para queimar como combustível, para fazer alimentos à base de soja.

Masud disse que o dinheiro que resulta da separação do lixo é usado para financiar actividades como o hajj, a peregrinação a Meca, Arábia Saudita, um dos locais mais sagrados do Islão. “Todos os anos, entre 17 a 20 pessoas desta aldeia fazem o hajj. Essa peregrinação é financiada com este lixo”, disse. Salam, 54 anos, disse que o lixo reciclado pagava a educação dos seus filhos e que também lhe comprou uma casa para a família e o gado. “Agora tenho nove cabras”, disse Salam, que trabalha como intermediário entre os moradores e a fábrica de papel mais próxima, e diz que o seu trabalho é mais fácil do que a agricultura.

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Reuters/WILLY KURNIAWAN

Apesar de ser mais lucrativo, as pilhas de lixo são uma ameaça à saúde dos moradores, dizem os ambientalistas. Uma investigação do grupo ambientalista ECOTON descobriu que a água dos lençóis freáticos de Bangun estava poluída com microplásticos, assim como o rio Brantas, que abastece cinco milhões de pessoas na área.

A Indonésia importou 283 mil toneladas de resíduos plásticos no último ano, mais 141% do que no ano anterior. O país é o segundo maior contribuidor para os poluentes plásticos encontrados nos oceanos do mundo, de acordo com um estudo de 2015.

Mas o lixo doméstico também é um problema. A Indonésia gera 105 mil toneladas de lixo sólido municipal todos os anos nas áreas urbanas, sendo que apenas 15% são recicladas, revelou um relatório do Banco Mundial em Junho. A maioria das lixeiras das cidades do país estão a alcançar a sua capacidade máxima e as praias do arquipélago estão normalmente cheias de lixo.

“Já sabemos que a Indonésia é suja, mas agora a América está a adicionar o seu lixo”, disse Prigi Arisandi, directora executiva da ECOTON, num comício junto do consulado-geral dos Estados Unidos em Surabaia, Java.

A Indonésia divulgou um plano para reduzir o lixo marinho em 70% até 2025, com um orçamento previsto de mil milhões de dólares, mas ainda não se conhece o progresso feito até agora. O Governo está também a organizar da instalação de fábricas que transformem lixo em energia e à frente de um plano para multar a utilização de sacos de plástico, algo que está a enfrentar uma forte oposição por parte da indústria do plástico.