O manto de água que gelou o mundo

A 13 de Junho, a Gronelândia perdeu 2 mil milhões de toneladas de gelo, aproximadamente 712 mil quilómetros da superfície — ou seja, oito vezes a superfície de Portugal. Este é um problema global, não conhece fronteiras, e todos em sociedade e individualmente somos chamados a agir.

Foto
Steffen M. Olsen

Há casos em que as imagens podem mesmo substituir as palavras. As notícias sobre o ambiente, o aquecimento global e a urgência de acção ao nível climático multiplicam-se. Todos os dias ouvimos algo sobre economia circular, o drama dos microplásticos ou como o Árctico está a derreter. Até que aparece uma fotografia que nos faz engolir em seco e petrificar porque por fracções de segundo temos uma imagem real de tudo aquilo que lemos e que inconscientemente guardamos na caixinha do futuro.

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Há casos em que as imagens podem mesmo substituir as palavras. As notícias sobre o ambiente, o aquecimento global e a urgência de acção ao nível climático multiplicam-se. Todos os dias ouvimos algo sobre economia circular, o drama dos microplásticos ou como o Árctico está a derreter. Até que aparece uma fotografia que nos faz engolir em seco e petrificar porque por fracções de segundo temos uma imagem real de tudo aquilo que lemos e que inconscientemente guardamos na caixinha do futuro.

Sim, não precisei sequer de dizer para que soubessem de que imagem vos falo — a fotografia dos cães de trenó a caminharem sobre um manto de água outrora gelada, tirada pelo cientista dinamarquês Steffen M. Olsen, no passado dia 13 de Junho, no noroeste da Gronelândia.

A imagem é realmente tremenda e podia fazer parte de qualquer cenário dantesco ou até tornar-se uma obra de poesia épica camoniana. O buzz foi brutal, tornou-se num trending topic no Twitter e demais redes sociais. Por todo mundo milhares de milhões de pessoas viram, comentaram e partilharam a imagem. Ainda assim, torna-se importante, mandatório até, que se tente compreender o que afinal está na base daquela fotografia.

Para os cientistas esta situação não é totalmente inesperada, mas antecipou-se ao previsto. Embora este não seja um acontecimento isolado, nunca tinha sido visto tanto gelo derretido antes de Julho. É verdade que o Verão está aí, mas nesta região da Terra as temperaturas máximas em Junho costumam ser de 3,2 graus Celsius e não temperaturas entre os 15 e os 17 graus Celsius, como registados pela estação meteorológica mais próxima do aeroporto de Qaanaaq, no noroeste da Gronelândia. Este aumento de temperatura resultou num derretimento de gelo atípico. Só nesse dia, 13 de Junho, a ilha perdeu 2 mil milhões de toneladas de gelo, aproximadamente 712 mil quilómetros da superfície — ou seja, oito vezes a superfície de Portugal.

Mas como aconteceu tudo isto? Existiu uma massa de ar quente que se deslocava do sul, que em simultâneo com uma alta pressão atmosférica criou estas condições quentes e ensolaradas. Tal provocou uma baixa cobertura de nuvens e diminuição da neve, o que torna a superfície de gelo mais vulnerável à radiação solar. Debaixo de todo aquele lago de água estava ainda uma camada de gelo a derreter, com uma espessura de 1,2 metros, o que permitia que os cães se deslocassem. Já noutras áreas, a água é drenada pelas fissuras no gelo, o que impede que se acumule em tanta quantidade à superfície, como explica o cientista dinamarquês. 

Além de tudo isto, a cada novo Verão prevê-se que o gelo continue a diminuir de forma galopante. A cada Inverno que passa forma-se uma nova camada de gelo. O grande problema é que é cada vez menos espesso e mais vulnerável. E este é um ciclo que não tem fim. Esta fotografia veio, mais uma vez, mostrar que já não se fala só de previsões e que tudo está acontecer diante dos nossos olhos (ou dos nossos feeds).

Urge perceber, interiorizar, que o futuro é mesmo hoje. Este é um problema global, não conhece fronteiras, e todos em sociedade e individualmente somos chamados a agir, com toda a responsabilidade política, social e geracional.