Em Abril, cravo na mão!

O sonho é bonito porque é feito de promessas. E a democracia representativa é feita de promessas, promessas de uns poucos para tantos que neles depositam as suas esperanças de uma vida melhor, de uma existência mais conseguida.

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Paulo Pimenta

Cravo, a flor do craveiro, originário do extremo oriente, assume a sua posição no reino das flores do mesmo modo que Zeus (na mitologia grega) e Júpiter (na mitologia romana) entre os deuses. E é a nobreza da flor que, por um acaso, simboliza, em Portugal, o fim da ditadura e o início da democracia em 1974. Assim, em Portugal, significa revolução, significa liberdade, significa também possibilidades. É certo que conceitos não são realidades — e normalmente são muito mais interessantes e românticos no ideário de cada um de nós do que transpostos para a realidade. E, por isso, a construção de qualquer conceito deveria trazer um livro de instruções com dois pontos importantes: 1) é apenas a base; e 2) para uma construção contínua.

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Cravo, a flor do craveiro, originário do extremo oriente, assume a sua posição no reino das flores do mesmo modo que Zeus (na mitologia grega) e Júpiter (na mitologia romana) entre os deuses. E é a nobreza da flor que, por um acaso, simboliza, em Portugal, o fim da ditadura e o início da democracia em 1974. Assim, em Portugal, significa revolução, significa liberdade, significa também possibilidades. É certo que conceitos não são realidades — e normalmente são muito mais interessantes e românticos no ideário de cada um de nós do que transpostos para a realidade. E, por isso, a construção de qualquer conceito deveria trazer um livro de instruções com dois pontos importantes: 1) é apenas a base; e 2) para uma construção contínua.

O plano foi imaginado e posto em marcha, poderia ter falhado, mas por variadas circunstâncias, que provaram ser mais a favor do que contra, na noite de 24 de Abril de 1974 o rastilho acendeu-se, E depois do adeus foi o isqueiro na voz de Paulo de Carvalho. No seu íntimo escondia uma subtil pergunta: e depois do adeus? Depois do adeus vem o desconhecido, vem o novo, vem o sair do carrancudo conformismo, tão tentador quanto perdedor. Talvez nos incite a que percamos o medo de dizer adeus ao velho chavão “Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar” e que aceitemos as adversidades como um empurrão, como prova de que a vida é nada mais, nada menos, do que derrota após derrota até ao caixote de madeira ou alumínio, bem, seja qual for o material havemos de ser comidos pela terra.

Quis-se depois que, na madrugada de 25 de Abril de 1974, à mesma mesa se sentassem Giuseppe Pellizza da Volpedo e Zeca Afonso. O primeiro trouxe consigo o famoso quadro O Quarto Estado e o segundo transformou-o em acordes, na canção Grândola Vila Morena. Ouviram-se os passos das gentes, a marcha de quem não tem medo, de quem quer mais do que a repressão, a fome e a miséria, de quem não se satisfaz com o mais vale isto do que sabe-se lá bem o quê. E tudo decorreu como um sopro do vento sobre um dente de leão. E, ficando careca o dente de leão, coube a Celeste Caeiro a nobre tarefa de distribuir cor e perfume pela multidão, e a cada soldado foi dito: são cravos senhor, são cravos!

O sonho é bonito porque é feito de promessas. E a democracia representativa é feita de promessas, promessas de uns poucos para tantos que neles depositam as suas esperanças de uma vida melhor, de uma existência mais conseguida. É certo que ganhamos um serviço nacional de saúde, a gradual massificação do acesso ao ensino, uma segurança social mais efectiva e abrangente na protecção dos cidadãos, reforçamos e continuamos a conquistar direitos civis e liberdades individuais… Contudo, diabolizamos a agricultura e os caminhos de ferro para, em nome da modernização, negligenciarmos as nossas raízes. Fomos aliciados a “correr” para as grande cidades — os centros das oportunidades —, abandonando o interior; permitimos que se construíssem auto-estradas às paletes, em vários casos permitimos mais do que uma auto-estrada na mesma direcção; permitimos que a fruta produzida no nosso país seja mais cara do que aquela que provém de outros países, e de outros continentes; e temos orgulhosamente um dos melhores “parques automóveis” da Europa.

Ao longo de 45 anos, muitos trabalharam em nome de uma “coisa pública”, outros tantos nem por isso. Chegados a este ponto é preciso continuar a insistir e a persistir numa democracia cada vez mais para todos, cada vez mais capaz de responder às necessidades da maioria da população. E, acima de tudo, numa democracia que não aceite as desigualdades sociais como uma consequência e que, ao invés de se definirem políticas remediadoras com o intuito de se minimizarem os problemas, se definam políticas que ataquem a raiz dos problemas.

O legado de todos os que contribuíram e participaram na Revolução dos Cravos não deve ser esquecido, tampouco tratado como uma mera festividade, porque o 25 de Abril é apenas um marco, um marco a partir do qual todos nos tornamos responsáveis pelos representantes que elegemos, pelas políticas que foram implementadas, e todos temos o dever de questionar e exigir melhores condições para cada um de nós e para os nossos filhos.

A democracia é um conceito, e um conceito é apenas a base de uma construção ininterrupta — e quem quer chegar demasiadamente rápido ao telhado porque a casa do vizinho é apetecível corre o risco de ver construir paredes frágeis. É por isso que escolas e hospitais públicos que padecem de maleitas graves, uma rede de mobilidade nacional demasiadamente centrada nos grandes centros urbanos, uma rede ferroviária cara, o preço dos combustíveis exageradamente caros e um abandono do interior do país não se coadunam com a elevada carga fiscal que os portugueses suportam.

Hoje é o 25 de Abril: que as vozes de Paulo de Carvalho e de Zeca Afonso não se percam pela noite e madrugada, que sejam sempre a alvorada.