Afinal, onde estava esta extrema-direita de hoje?

Para regressar a 1936 e ouvir a retórica nauseabunda da “Espanha partida” não é preciso ouvir um neofascista do Vox: basta ouvir o PP ou os Ciudadanos.

Ainda há poucos anos, sobre o avanço visível da extrema-direita por toda a Europa e as Américas (e Israel, claro), dizia-se que era coisa passageira de que era melhor não falar para não lhes dar importância. Achava-se que eram movimentos muito minoritários, raramente elegiam deputados e, quando o faziam, eram perfeitamente prescindíveis na constituição de maiorias de governo apesar de, já então, irem contaminando o discurso das direitas clássicas e marcando a agenda dos media. Depois de terem aproveitado a onda anticomunista do final do século XX para ocupar um espaço enorme no mapa político da Europa centro-oriental, transformaram o fim dos regimes que se reivindicavam comunistas numa oportunidade histórica para fazer uma crítica demolidora da democracia mais ou menos redistributiva para a qual o Ocidente capitalista fora obrigado a evoluir com o triunfo do antifascismo em 1945 e do movimento descolonizador ao longo dos vinte anos seguintes, ambos abrindo caminho à emancipação (sempre incompleta e ameaçada) das mulheres e das minorias étnicas e de orientação sexual. Os neofascistas do final do séc. XX e os racistas disfarçados de culturalistas (como se o problema para eles não estivesse na “raça” mas na “incompatibilidade cultural”) nunca estiveram sozinhos: a onda neoconservadora de Thatcher, Reagan e Kohl partilhava com eles a mesma leitura horrorizada do avanço das ideias socialistas na universalização da educação, da saúde e da segurança social pública que faziam social o chamado Estado de Bem Estar. Como a extrema-direita, também Thatcher achava que a desigualdade de classes, ou o próprio conceito de sociedade, eram puras mistificações marxistas; para ela, para Reagan e para a extrema-direita, o que havia era a Nação e os seus inimigos internos (nome que Thatcher deu aos mineiros da longa greve de 1984-85), era o Ocidente com o dever histórico de recuperar a sua supremacia. Sobre a Grã-Bretanha desses anos fazia-se a mesma pergunta que recentemente se fazia sobre Portugal e Espanha: porque razão não tinha ela uma forte Frente Nacional como a França? A resposta era simples (e é a mesma que deve ser dada sobre os casos ibéricos): porque ela estava dentro da direita tradicional, era thatcherista. Enquanto a enésima crise financeira do capitalismo internacional não desvertebrou os sistemas de representação do Ocidente, a extrema-direita não achou ser útil autonomizar-se. Quando o fez, de onde saíram todos os seus dirigentes? Dos partidos da direita tradicional – deixando lá dentro, como se vê bem, muitos aliados potenciais com os quais partilham ideias e políticas.

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Ainda há poucos anos, sobre o avanço visível da extrema-direita por toda a Europa e as Américas (e Israel, claro), dizia-se que era coisa passageira de que era melhor não falar para não lhes dar importância. Achava-se que eram movimentos muito minoritários, raramente elegiam deputados e, quando o faziam, eram perfeitamente prescindíveis na constituição de maiorias de governo apesar de, já então, irem contaminando o discurso das direitas clássicas e marcando a agenda dos media. Depois de terem aproveitado a onda anticomunista do final do século XX para ocupar um espaço enorme no mapa político da Europa centro-oriental, transformaram o fim dos regimes que se reivindicavam comunistas numa oportunidade histórica para fazer uma crítica demolidora da democracia mais ou menos redistributiva para a qual o Ocidente capitalista fora obrigado a evoluir com o triunfo do antifascismo em 1945 e do movimento descolonizador ao longo dos vinte anos seguintes, ambos abrindo caminho à emancipação (sempre incompleta e ameaçada) das mulheres e das minorias étnicas e de orientação sexual. Os neofascistas do final do séc. XX e os racistas disfarçados de culturalistas (como se o problema para eles não estivesse na “raça” mas na “incompatibilidade cultural”) nunca estiveram sozinhos: a onda neoconservadora de Thatcher, Reagan e Kohl partilhava com eles a mesma leitura horrorizada do avanço das ideias socialistas na universalização da educação, da saúde e da segurança social pública que faziam social o chamado Estado de Bem Estar. Como a extrema-direita, também Thatcher achava que a desigualdade de classes, ou o próprio conceito de sociedade, eram puras mistificações marxistas; para ela, para Reagan e para a extrema-direita, o que havia era a Nação e os seus inimigos internos (nome que Thatcher deu aos mineiros da longa greve de 1984-85), era o Ocidente com o dever histórico de recuperar a sua supremacia. Sobre a Grã-Bretanha desses anos fazia-se a mesma pergunta que recentemente se fazia sobre Portugal e Espanha: porque razão não tinha ela uma forte Frente Nacional como a França? A resposta era simples (e é a mesma que deve ser dada sobre os casos ibéricos): porque ela estava dentro da direita tradicional, era thatcherista. Enquanto a enésima crise financeira do capitalismo internacional não desvertebrou os sistemas de representação do Ocidente, a extrema-direita não achou ser útil autonomizar-se. Quando o fez, de onde saíram todos os seus dirigentes? Dos partidos da direita tradicional – deixando lá dentro, como se vê bem, muitos aliados potenciais com os quais partilham ideias e políticas.