Susana Bettencourt alerta para o “sufoco” em que se encontra a moda

No terceiro dia do Portugal Fashion, no Porto, as preocupações sociais, mas também as da sobrevivência dos designers portugueses desfilaram na passerelle.

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A designer Susana Bettencourt avisa que mundo da moda “está desfasado no tempo e a criar um negócio errado” quando mostra ao público a colecção seis meses antes de a ter à venda. “Isto está a matar o meu negócio como todos os outros”, lamenta a criadora, no terceiro dia do Portugal Fashion, na Alfândega do Porto, depois de apresentar a colecção “Stop the clock” - uma reflexão sobre a “sociedade automatizada em que vivemos”.

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A designer Susana Bettencourt avisa que mundo da moda “está desfasado no tempo e a criar um negócio errado” quando mostra ao público a colecção seis meses antes de a ter à venda. “Isto está a matar o meu negócio como todos os outros”, lamenta a criadora, no terceiro dia do Portugal Fashion, na Alfândega do Porto, depois de apresentar a colecção “Stop the clock” - uma reflexão sobre a “sociedade automatizada em que vivemos”.

“Porque é que hei-de fazer uma colecção de seis em seis meses, estarmos em sufoco, se não vende o suficiente para sustentar o meu ordenado e da minha equipa?”, pergunta Susana Bettencourt depois do desfile. Entende, por isso, que o mundo da moda “está a fazer a oferta e a procura desfasada no tempo” e foi isso mesmo que quis transmitir ao pôr os modelos de boca tapada e de correntes enormes, assim como outros acessórios de generoso tamanho ao pescoço como se estivessem a sufocar. A solução, acredita, passa por apresentar uma colecção por ano e, por isso, na noite de sábado optou por não apresentar a linha de Outono/Inverno como era expectável. “Estou cansada de seguir o rebanho. Quero fazer o meu tempo e estratégia”, defende a designer, que é conhecida pelas suas peças de malha.

Ora “tempo” foi precisamente “a palavra de ordem desta colecção e toda ela foi inspirada à volta das rodas de engrenagem do relógio e como é que elas estão a dar cabo da sociedade portuguesa”, elucida a designer. “Portugal é o terceiro ou quarto país da Europa com depressões e com uso de anti-depressivos. O relógio tem de parar, estamos a viver mal o tempo”, alerta Susana Bettencourt, para quem é urgente parar e reflectir.

A criadora apresentou, então, “uma colecção-conceito para mostrar o que a Susana Bettencourt faz”, elucida. “Estou constantemente a fazer colecções e o público final não vê o conceito e a história que está por detrás”, explica. Não só surpreendeu com esta ideia como arrojou na passerelle ao convidar o público a interagir. “Convido-vos a levantarem-se e verem mais de perto as minhas peças e a fazerem parte desta experiência.” A assistência obedeceu. Além dos coordenados, a designer juntou à performance uma exposição de trabalhos do ilustrador Ricardo Parker.

Dos refugiados ao glamour feminino

Antes de Susana Bettencourt foi a vez de Nuno Baltazar, que abriu o terceiro dia do Portugal Fashion com elegância e sofisticação. O criador partiu da instalação performativa “Sanctuary” de Brett Bailey, em que somos chamados ao confronto de um para um com a realidade de inúmeros refugiados na Europa”, elucida. Apresentou a colecção “Displaced”, assumindo-se como um designer “emocional que parte das suas fragilidades e da sua observação sobre o mundo para desenvolver colecções que quer cada vez mais pessoais”. O criador levou à passerelle um trabalho volumétrico de ombros e mangas, plissados diagonais com recurso a seda, lã, viscose, algodão e poliamida em harmonia com tafetás e rendas. 

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Desfile de Nuno Baltazar Ugo Camera

Seguiu-se o desfile colectivo de sapatos e marroquinaria. Depois foi a vez da marca Concreto, que nasceu em 1990 e é distribuída pelo grupo Valerius Têxteis, e da designer de moda Micaela Oliveira que surpreendeu com vestido fluidos, e uma colecção para criança.

Nesta 44.ª edição do Portugal Fashion ainda estiveram debaixo dos holofotes Manuel Alves e José Manuel Gonçalves com criações intemporais. “É uma colecção mais emocional, o streetwear conjugado com um glamour sofisticado, como as mangas acolchoadas”, descreve Manuel Alves no final do desfile. As peças são pensadas para uma mulher mais emocional, cosmopolita e culta. Mas o ADN da marca está lá com o “feminino exacerbado” nas peças de vestuário feitas de verniz e seda ou até mesmo nas saias plissadas e nas botas inspiradas nos anos 1970. 

Luís Onofre fechou a noite do terceiro dia do Portugal Fashion e pôs a assistência de olhos no chão para ver uma colecção inspirada na neve e na montanha. “Peguei em pormenores das botas de neve e adaptei-os ao calçado mais causal, que possa ser usado no dia-a-dia”, elucida o criador que apresentou 46 quadros femininos e masculinos. “São mais confortáveis e mais clean em termos de aplicações”, descreve horas antes do desfile, entre a azáfama normal dos bastidores. Luís Onofre, que foi recentemente nomeado presidente da Confederação Europeia do Calçado, está, aliás, a personalizar as botas e sandálias, feitas à medida, nas suas lojas. Já a colecção de homem é mais clássica e com acabamentos manuais. O criador tem na sua carteira de clientes personalidades como Letizia Ortiz, Michelle Obama, Naomi Watts ou Paris Hilton. 

O 44.º Portugal Fashion termina neste domingo com a moda infantil em destaque pela primeira vez na passerelle. E finaliza com tarde cheia com Marques’Almeida, dos criadores Marta Marques e Paulo Almeida, além de Alexandra Moura, Carla Pontes e David Catalán.