Penso na Suíça e fico ligeiramente fora de mim

O leitor Luis Robalo partilha a sua experiência helvética.

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A Suíça desencadeia em mim o síndrome da perna inquieta. Penso na Suíça e fico ligeiramente fora de mim, no bom sentido de estar fora.

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A Suíça desencadeia em mim o síndrome da perna inquieta. Penso na Suíça e fico ligeiramente fora de mim, no bom sentido de estar fora.

Montanhas e dinheiro. Carregadas, transbordantes. Escondem-no. Ele dispensa justificação, é adorado por muitos. Das montanhas, em gostando delas, não se explica. Dinheiro e montanhas, “avalancham” um ror de associações: bancos, contas secretas, multinacionais, filantropos, relógios pontuais, canivetes de múltiplos usos, vaquinhas leiteiras, o seu produto final, o chocolate. Motivos para ir à Suíça, e vou, fim-de-semana, para regressar curado da inquietude do membro tremente.

Até chegar, há por ultrapassar a provação do terminal 2 do Aeroporto de Lisboa. Processo no caminho de purificação dos seres através da sublimação dos obstáculos que a vida lhes coloca (dizendo isto sem saber que, após duas horas de espera, mais uma no avião a admirar o tráfego aéreo, ao finalizar o voo, um senhor diz numa voz bonita de comandante, que por dez minutos o aeroporto de Genebra não nos aceita. Fecham portas, ou pistas. Divergir para Lyon, meia noite e meia - cidade linda à luz do dia e para quem tem tempo para a visitar e quer ir para Lyon e não Genebra).

Sem recusar o convite, uma moderna camioneta com vinte anos de serviços, transporta-nos ao destino final: a porta do aeroporto helvético, fechado, às três e meia da manhã, ou noite, ou o que tenha sido essa experiência irrepetível.

Vou à Suíça para ver montanhas e neve, e fiz projecções matemáticas simples da época do ano com melhor estatística desta a regurgitar do céu. Entre Janeiro e Fevereiro a probabilidade é boa. Afinal era pouca, ainda assim há vaquinhas e chocolate.

Escolhi o cantão francês, entende-se alguma coisa e interage-se melhor. Temos amigos que vivem na Suíça, não é uma novidade para uns largos milhares de conterrâneos nossos. Emigra-se muito para a Suíça, pelo dinheiro ou pelo chocolate. Pelas montanhas, temos dúvidas.

A neve, pouca, foi uma alegria. Os locais são simpáticos, até se parecem com feições de portugueses. De alguns fica-se com a sensação de que falam a nossa língua. É uma Confederação com tudo de bom, do que não temos cá, menos o que têm de mau, que deve ser muito mau. Não o sabemos por não estarmos o tempo suficiente com eles para percebermos.

O clima aguenta-se, é menos húmido. Só o preço das coisas, lá está, é que é proibitivo. Mas sendo muitas as montanhas com tesouros inumeráveis escondidos, é natural que o dinheiro seja caro.

Gostámos da estância de esqui que visitámos - as paragens do teleférico eram atendidas por um solícito funcionário português, beirão ou transmontano. Ficámos a saber que estes são exímios e talentosos esquiadores, pelo que ocupam na Suíça funções de controladores de tráfego de estâncias de esqui.

O vinho suíço é simpático, a raclette é boa, mas o queijo da Serra, ou Serpa, ao vivo da colher para o pão, pois!; a comida é boa, mas tão cara que uma circunstância destas faz do jejum uma prática saudável.

Eles têm umas piscinas de águas geotermais, quentinhas a trinta graus - só a cabeça tirita, a levar com neve esfiapada. Assinalámos numerosos casais (um supor antropológico), imersos os corpos nas piscinas, agarradinhos uns aos outros, sem razão para tanta proximidade e em movimento rítmico sincronizado. Se as piscinas não têm correntes e são de águas paradas, porque se agarravam tanto?

Foi pouco tempo, mas sendo nós de natureza curiosa não vimos uma única porta de entrada, mesmo camuflada, para os túneis que dizem haver montanhas adentro, abarrotados de lingotes, criptomoedas e notas de proveniências desconhecidas. Ou aqueles cenários bucólicos estão para o engano – o belo a esconder o odioso - ou é tudo virtual: o dinheiro do mundo não está lá fisicamente, e os portugueses não são assim tão solícitos porteiros de teleféricos, apesar das barrigas proeminentes.

Sobre o aeroporto de Lisboa, ficámos convencidos que não há pressa: façam as contas, quanto é para cada um, e com segurança avance-se para uma solução ponderada daqui a vinte anos.

Luis Robalo