Imigrantes que entraram ilegais em Portugal terão visto de residência desde que tenham um ano de descontos

Na discussão na especialidade, a alteração à lei deixa cair o critério que só permitia a concessão do visto de residência aos trabalhadores que tivessem entrado em Portugal de forma legal. E troca-o por um mínimo de 12 meses de descontos para a Segurança Social.

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Esquerda entendeu-se para apresentar um texto comum Sebastião Almeida

Os imigrantes que se encontram em Portugal a trabalhar e a descontar para a Segurança Social há pelo menos 12 meses vão poder ter a autorização de residência mesmo que não tenham entrado no país de forma legal. PS, Bloco e PCP entenderam-se nesta quarta-feira na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para aprovar um texto comum que substitui os projectos de lei do PCP, Bloco e PAN. Os dois últimos queriam atribuir visto temporário de residência aos estrangeiros com um ano de descontos e o primeiro propunha alterações ao regime de regularização de estrangeiros indocumentados.

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Os imigrantes que se encontram em Portugal a trabalhar e a descontar para a Segurança Social há pelo menos 12 meses vão poder ter a autorização de residência mesmo que não tenham entrado no país de forma legal. PS, Bloco e PCP entenderam-se nesta quarta-feira na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para aprovar um texto comum que substitui os projectos de lei do PCP, Bloco e PAN. Os dois últimos queriam atribuir visto temporário de residência aos estrangeiros com um ano de descontos e o primeiro propunha alterações ao regime de regularização de estrangeiros indocumentados.

O PSD e o CDS votaram contra alegando que, ao deixar cair a exigência de que os imigrantes só podiam aceder a este visto se tivessem entrado legalmente no território nacional, se está a abrir as portas indiscriminadamente a todos os estrangeiros que queiram vir para Portugal.

Como os socialistas e os bloquistas tinham chegado a acordo para juntar as propostas mas deixaram de fora a maior parte do conteúdo do PCP, o deputado António Filipe fez questão de levar à votação pelo menos sete artigos do seu projecto de lei que no seu entender podiam ser complementares à nova redacção da lei. Porém, as propostas do PCP acabaram chumbadas pelo voto contra do PS e CDS, e com a abstenção do PSD.

PSD absteve-se

Luís Marques Guedes justificou a abstenção do PSD dizendo que o regime que o PCP propunha era uma espécie de processo extraordinário de regularização de imigrantes ilegais, mas o comunista António Filipe veio negar que fosse um processo com prazo fixado no tempo porque isso já aconteceu noutras alturas e houve sempre milhares de cidadãos que nunca reuniam as condições necessárias ou que não se candidatavam por medo de acabarem expulsos.

Na verdade, os comunistas propunham que todos os estrangeiros que vivam em Portugal sem a autorização legalmente necessária pudessem obter a sua legalização desde que disponham de meios de subsistência através do exercício de uma actividade profissional – por conta própria ou como empregado -, ou em qualquer caso, desde que tenham cá residido permanentemente desde antes de 1 de Julho de 2015 – data da entrada em vigor de uma das versões da lei. Com excepção de quem tivesse sido condenado por algum crime ou tivesse recebido ordem de expulsão do país.

O texto que acabou por ser aprovado – na verdade são apenas duas alterações a artigos da lei – suscitou críticas do PSD e CDS. O social-democrata Luís Marques Guedes realçou que a proposta é de teor diferente dos diplomas que foram aprovados na generalidade em plenário. É que a primeira versão apenas concedia vistos de residência temporários aos cidadãos estrangeiros que tivessem entrado de forma legal mas que agora cá trabalhem e descontem para a Segurança Social há pelo menos um ano. O problema, realçou, é que na versão agora aprovada, se acaba com a premissa de só permitir a legalização a quem entrou de forma legal. E se passa a permitir a concessão de vistos a toda a gente que aqui trabalhe e desconte durante um ano.

Violação de Schengen

Luís Marques Guedes extremou o discurso e disse que a acabar com essa regra terá um “efeito de chamada pura e dura para entradas ilegais no país (…) Estamos a chamar as pessoas ‘venham, entrem a salto porque depois são todas legalizadas”. O deputado do PSD salientou ter “dúvidas que este preceito respeite as regras internacionais a que Portugal está vinculado”, já que no espaço Schengen tem que haver uma barreira legal à entrada desordenada de cidadãos estrangeiros. “É uma violação do espaço Schengen”, insistiu.

O presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais veio em socorro da esquerda. “A entrada legal não é requisito de coisa nenhuma; é um contexto relativamente à ordem jurídica. O que está aqui em causa é fazer desaparecer uma penalização agravada da entrada não legal no país”, afirmou o socialista Pedro Bacelar de Vasconcelos. A deputada do PS Isabel Moreira criticou o alarmismo do PSD que, disse, “faz lembrar a referência às pessoas com más intenções que entram em Portugal” e garantiu: “Estamos bem cientes do que estamos a fazer.”

Marques Guedes insistiu que a inovação do PS é o critério dos 12 meses de descontos para a Segurança Social, que trocam pela legalidade de entrada. Ou seja, a esquerda deixa cair a obrigatoriedade de entrada legal mas exige que tenham descontado já durante um ano. Porque o resto – ter contrato ou promessa de contrato de trabalho e a inscrição na Segurança Social – já hoje é requisito obrigatório para obter o visto.

Ilegalidade perpétua

Isabel Moreira haveria ainda de citar as cerca de 20 mil pessoas que vivem ilegalmente em Portugal, aqui trabalham e descontam mensalmente para a Segurança Social mas “não conseguem regularizar a sua situação apesar do mecanismo por situação humanitária e os seus direitos sociais são gravemente diminuídos”, seja no acesso à saúde, educação, habitação ou até à banca.

O comunista António Filipe também defendeu o desenho da proposta do texto à esquerda porque, pelos critérios actuais, quem entrou de forma ilegal em Portugal fica condenado “à ilegalidade perpétua” salvo se houver um mecanismo extraordinário. “Esta é uma legislação de olhos fechados à realidade. O Estado não pode dizer ‘entraste ilegal, agora vai-te embora’ e por isso houve vários processos de regularização extraordinária”, argumentou o comunista. Que recusou que a nova regra tenha o “efeito de chamada”, antes sendo para “encontrar solução para quem cá está há muito tempo a trabalhar na ilegalidade mas ainda assim a colocar dinheiro no Estado”.