Tribunal criminal decide sobre indemnização às famílias dos recrutas mortos no curso dos Comandos

Relação de Lisboa deu razão às famílias das duas vítimas, falecidas em 2016 durante o curso 127 daquela força militar. Ministério Público defendia que só um tribunal administrativo podia decidir pedidos civis contra o Estado.

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Julgamento está a decorrer no Campus da Justiça, em Lisboa Daniel Rocha

É uma vitória para as famílias dos dois jovens que, em 2016, morreram durante o curso dos Comandos: o tribunal criminal vai decidir sobre as eventuais indemnizações civis exigidas ao Estado, ao mesmo tempo que julga os delitos criminais de que estão acusados 19 militares. O Ministério Público defendia que apenas um Tribunal Administrativo podia julgar esta matéria.

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É uma vitória para as famílias dos dois jovens que, em 2016, morreram durante o curso dos Comandos: o tribunal criminal vai decidir sobre as eventuais indemnizações civis exigidas ao Estado, ao mesmo tempo que julga os delitos criminais de que estão acusados 19 militares. O Ministério Público defendia que apenas um Tribunal Administrativo podia julgar esta matéria.

Um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, publicado nesta quinta-feira, declarou a competência do tribunal criminal nesta matéria, dando provimento ao recurso dos advogados das famílias das duas vítimas.

Num primeiro momento, o tribunal onde estão a ser julgados os crimes, em Lisboa, tinha decretado que os pedidos de indemnização civis seriam decididos durante o julgamento sobre responsabilidades criminais, mas tinha sido o próprio Ministério Público a levantar o problema da competência deste tribunal para julgar uma indemnização que é pedida ao próprio Estado. O entendimento era o de que apenas um tribunal administrativo e não o criminal devia julgar as questões relativas aos pedidos de indemnização civis.

As famílias das duas vítimas recorreram e o Tribunal da Relação de Lisboa dá-lhes agora razão. A decisão é de “elementar justiça”, classifica o advogado Ricardo Sá Fernandes, que representa a família de Hugo Abreu, um dos dois recrutas dos Comandos falecidos em 2016. Caso o Tribunal da Relação de Lisboa não tivesse dado razão às famílias, estas poderiam “ter que esperar uma década” até receberem uma eventual indemnização, afirma o jurista. Isto porque seria necessário que o julgamento em curso chegasse ao seu final para que, no caso de haver condenações, as famílias avançassem então um novo processo, desta feita no tribunal administrativo, para exigir as indemnizações civis.

Caso isso acontecesse, teria que ser produzida novamente toda a prova que será apresentada durante o julgamento que está em curso — e que está suspenso desde Setembro, precisamente à espera da decisão que agora foi tomada pelo Tribunal da Relação. Esse processo seria “cruel” para as famílias das vítimas, entende Ricardo Sá Fernandes.

Esta decisão da Relação poderá, no entanto, levar a que a dezena e meia de testemunhas já ouvidas desde o início do julgamento tenham que prestar novamente declarações em tribunal. Fernando Manuel Ramos, advogado de sete dos 19 arguidos, avançou ao PÚBLICO que vai pedir que as testemunhas — todas arroladas pelo Ministério Público, até ao momento — sejam ouvidas apenas na parte tocante à eventual indemnização civil, sobre o qual não puderam ser até agora questionadas, ficando as declarações já prestadas válidas para memória futura no julgamento. 

Dylan da Silva e Hugo Abreu, que tinham 20 anos, morreram por falência dos órgãos provocada por desidratação extrema em 2016, na sequência da primeira prova do 127.º curso de Comandos, que a 4 de Setembro. Hugo Abreu foi o último a ser retirado da prova, morrendo às 21h45. Dylan da Silva morreu seis dias depois, no hospital.

São arguidos neste processo 19 militares do Regimento dos Comandos, acusados de crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.