Europa prepara novas restrições a antibióticos na agro-pecuária. Objectivo: travar as superbactérias

Cerca de 70% dos antibióticos na Europa são usados na criação de animais para consumo humano. O que exige ao sector da agro-pecuária um papel mais activo no combate ao desenvolvimento e disseminação de bactérias resistentes a estes farmácos, dizem responsáveis europeus.

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Nuno Ferreira Santos

Lidar com o problema da crescente resistência de bactérias a antibióticos não é apenas um desafio para os hospitais. A agro-pecuária tem uma responsabilidade central no facto de alguns destes fármacos se estarem a tornar ineficazes, pois é na criação de animais para alimentação que são usados 70% dos antibióticos consumidos na União Europeia, diz o comissário europeu para Saúde e Segurança Alimentar, Vytenis Andriukaitis. Por isso, estão na calha novas restrições à administração de antibióticos neste sector.

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Lidar com o problema da crescente resistência de bactérias a antibióticos não é apenas um desafio para os hospitais. A agro-pecuária tem uma responsabilidade central no facto de alguns destes fármacos se estarem a tornar ineficazes, pois é na criação de animais para alimentação que são usados 70% dos antibióticos consumidos na União Europeia, diz o comissário europeu para Saúde e Segurança Alimentar, Vytenis Andriukaitis. Por isso, estão na calha novas restrições à administração de antibióticos neste sector.

O que se passa é que os animais, ao serem tratados com antibióticos, podem acabar por ser portadores de bactérias resistentes a estes fármacos que, por sua vez, podem ser transmitidas aos vegetais através do estrume usado como fertilizante. E quando se consome estes alimentos — carne ou vegetais —, as ditas bactérias podem, por fim, passar para os humanos. 

Alguns fármacos vão tornar-se exclusivos para uso humano, anunciou Andriukaitis, nesta quinta-feira, em Bruxelas, no evento que assinalou o Dia Europeu dos Antibióticos, promovido pelo Centro Europeu para o Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC).

Na apresentação dos últimos dados sobre prevalência de infecções, consumo de antibióticos e resistência aos mesmos, dominou entre os especialistas o alerta para a necessidade de uma acção concertada entre as áreas da saúde humana, ambiental e animal. Há uma preocupação crescente quanto à presença de antibióticos no meio ambiente, com origem na pecuária, no tratamento de águas a céu aberto e na indústria.

Seguindo uma recomendação da Comissão Europeia, a Agência Europeia do Medicamento e o ECDC estão a fazer uma lista de novos antibióticos a proibir na agricultura, que deverá estar em breve em consulta pública. “Hoje é preciso perguntar aos nossos agricultores e produtores de carne se estão dispostos a contribuir” para a mitigação da crescente da resistência antimicrobiana, na origem de cerca de 33 mil mortes por ano, na Europa.

A partir de 2022, caso o Conselho da Europa dê luz verde à legislação proposta, os produtores vão ser ainda proibidos de administrar antimicrobianos de forma preventiva em animais para consumo humano. Haverá igualmente restrições à chamada medicação metafilática, ou seja, a medicação de animais doentes aos primeiros sintomas e todos os que com eles contactaram.

Na UE já é proibido, desde 2006, usar antibióticos para estimular o crescimento de animais destinados à indústria alimentar (sendo, no entanto, comum entre os grandes produtores fora da união) e é obrigatório o registo das prescrições em caso de doença.

Os últimos dados são já “animadores”: entre 2011 e 2016 as vendas de antimicrobianos veterinários caiu 20% em 30 países europeus, segundo dados da EMA citados por Nicola Holsten, directora-geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural na Comissão Europeia.

Os países fora da UE também “terão que respeitar estas proibições”, sublinhou o comissário europeu, esperando que este apertar da malha legislativa “mude o jogo” na Europa e no Mundo.

Em alternativa os produtores devem implementar medidas de reforço da higiene, de vacinação e melhores técnicas de diagnóstico. Acima de tudo, terá que haver “uma mudança cultural” na forma como se cria gado. Mas, além da legislação, a margem de manobra da Comissão Europeia é limitada. “Isto são tudo palavras vazias se não conseguirmos medidas concretas dos Estados-Membros a nível nacional e regional”, afirmou Andriukaitis.

Mais ganhos que custos

Nada disto minimiza a necessidade de actuar nos hospitais, onde a intervenção pode ser mais fácil e ter resultados mais rápidos. Os estudos divulgados esta quinta-feira pelo ECDC demonstram que as infecções por superbactérias continuam a ser um dos principais problemas dos sistemas de saúde na Europa. Muitos países – Portugal incluindo – continuam a ter níveis preocupantes de consumo de antibióticos de longo espectro, considerados de fim de linha.

Entre 29 países analisados (28 do Espaço Económico Europeu mais a Sérvia), a proporção de antibióticos de largo espectro administrados nos hospitais varia entre 16 e 62%. No topo está a Bulgária, logo seguida pela Itália. Portugal aparece em oitavo lugar, perto dos 50%. O que quer dizer que quase metade dos antibióticos prescritos na amostra de hospitais e unidades de cuidados continuados portugueses analisada são fármacos que actuam sobre um grande número de espécies de bactérias (como as cefalosporinas de terceira geração, piperacilinas e inibidores da beta-lactamase).

Os custos, sociais e económicos, da resistência são elevados – “um bilião de euros em despesas anuais com saúde”, notou a directora do ECDC, Andrea Ammon. Já as medidas de prevenção e controlo nem por isso, frisou Francesca Colombo, chefe de divisão de saúde da OCDE, cujo mais recente relatório demonstrou que “três em cada quatro mortes [por bactérias resistentes a antibióticos] poderiam ser evitadas com apenas dois dólares por pessoa".

As intervenções desta quinta-feira fizeram também notar a necessidade de desenvolver os sistemas de vigilância, criar novos antibióticos e vacinas – com representantes da indústria farmacêutica presentes a pedir incentivos nos casos de sucesso na investigação.

“Alguns países estão a ser bem-sucedidos em contrariar a tendência [de disseminação e criação de novas resistências]. Outros nem tanto. Mas [a resistência antimicrobiana] não é uma situação inevitável”, frisou também a directora do ECDC. Andrea Ammon espera que, da mesma forma que surgiu, “esta epidemia demore alguns anos a desaparecer”. “Mas são precisos grandes esforços. Não há tempo para complacência”, afirmou.

Ainda assim, estes responsáveis temem que os europeus não estejam suficientemente atentos aos perigos das infecções por superbactérias. Um estudo do Eurobarómetro com opiniões de mais de 27 mil cidadãos europeus, também divulgado esta quinta-feira, mostra que, embora 85% dos inquiridos saibam que o uso desnecessário de antibióticos contribui para que estes deixem de funcionar, mais de metade desconhecia que estes são ineficazes contra vírus. Isto explica porque é que 20% dos que tomaram antibióticos no último ano o fizeram, erradamente, por causa de uma constipação ou gripe. É ainda preocupante que 7% dos que tomaram antibióticos se tenham automedicado.

A jornalista viajou a convite do Centro Europeu de Prevenção de Doenças (ECDC)