Praxe ou crime?

Toda a praxe é violenta, abusiva e prejudicial ao bem físico e/ou psicológico do jovem estudante, como nos parecem fazer crer? Penso que não.

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Sergio Azenha

Ciclicamente há assuntos que chegam até nós, praticamente todos os anos, da mesma forma, sempre com os mesmos contornos e com pontos de vista que pouco se alteram. Um desses assuntos é, sem dúvida, a praxe académica. Efectivamente, assistimos todos os anos à mesma receita: as praxes abusivas, os excessos cometidos por grupos de estudantes e, ultimamente — mas de uma forma bem menos destacada —, alguma praxe com intuito solidário (que aos poucos vai ficando na moda). E a sensação que me fica, ano após ano, é que cada vez mais a praxe é vista com maus olhos pelo resto da sociedade, cada vez mais os noticiários veiculam péssimos exemplos de praxes que mais parecem actos criminosos. A continuar por esse caminho, qualquer dia a praxe será proibida na maioria dos estabelecimentos universitários. Mas toda a praxe é violenta, abusiva e prejudicial ao bem físico e/ou psicológico do jovem estudante, como nos parecem fazer crer? Penso que não.

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Ciclicamente há assuntos que chegam até nós, praticamente todos os anos, da mesma forma, sempre com os mesmos contornos e com pontos de vista que pouco se alteram. Um desses assuntos é, sem dúvida, a praxe académica. Efectivamente, assistimos todos os anos à mesma receita: as praxes abusivas, os excessos cometidos por grupos de estudantes e, ultimamente — mas de uma forma bem menos destacada —, alguma praxe com intuito solidário (que aos poucos vai ficando na moda). E a sensação que me fica, ano após ano, é que cada vez mais a praxe é vista com maus olhos pelo resto da sociedade, cada vez mais os noticiários veiculam péssimos exemplos de praxes que mais parecem actos criminosos. A continuar por esse caminho, qualquer dia a praxe será proibida na maioria dos estabelecimentos universitários. Mas toda a praxe é violenta, abusiva e prejudicial ao bem físico e/ou psicológico do jovem estudante, como nos parecem fazer crer? Penso que não.

Que fique claro, antes de prosseguir o texto, que sou pela praxe. Fui, orgulhosamente, estudante de Coimbra e fui praxada, sim, pelos colegas mais velhos. E entre brincadeiras e gargalhadas, entre ordens mais ou menos disparatadas e aulas fantasmas, fui conhecendo colegas, a cidade e os seus locais mais emblemáticos. Sim, a praxe ajudou-me a combater a timidez de quem vinha de uma cidade do interior, a timidez de uma adolescente que nunca tinha saído de casa.

Guardo as melhores recordações desses tempos. Nunca me senti lesada nos meus direitos, nunca me senti pressionada a fazer o que não queria e muito menos me senti humilhada. É claro que a praxe obedecia a um rigoroso código, seguido escrupulosamente. O facto de sermos praxados em grupo ajudava, digo eu, a que não se cometessem eventuais excessos. Quero acreditar que este tipo de praxe — que mais não passava de umas brincadeiras inocentes — ainda exista. A questão é que, hoje em dia, se dá destaque, em grande maioria, aos abusos que se cometem em nome de uma suposta praxe.

Cito, a título de exemplo a situação que se passou com estudantes da Universidade da Beira Interior (UBI). Pelo que ouvimos nos noticiários, dois alunos da UBI terão sido submetidos ao que chamaram “praxe violenta”, tendo sido levados para a Serra da Estrela onde, depois de despidos, foram alvo de agressões com pás. Logo se levantaram as vozes contra a praxe. E o erro está exactamente aí. Nada do que se passou na Serra pode ser chamado praxe. Sabe-se hoje que essas investidas nocturnas eram perpetradas por uma espécie de irmandade criada à margem da Comissão de Praxe da UBI, que submetia caloiros a actividades similares a rituais iniciáticos. Este tipo de comportamento nada tem a ver com a praxe académica. Tal como o que aconteceu no Meco não pode ser apelidado de praxe. Faça-se a diferença entre brincadeiras que ajudam o jovem estudante, grande parte das vezes acabado de chegar a uma cidade nova, a integrar-se e a conhecer a cidade, e actos abusivos e violentos cometidos à margem de um, geralmente, apertado Código de Praxe (e para quem comete esses actos defendo mão pesada, sim).

Hoje clama-se, de um modo geral, pelo fim das praxes. Os pais temem pelos filhos que vão para longe e poderão ser maltratados pelos estudantes mais velhos. Eu volto a dizer e a afirmar: a praxe do meu tempo mais não era do que uma brincadeira sublinhada por muitos cânticos, vivida em grupo. Foi aí que se iniciaram as amizades que se iriam manter, em muitos casos, até hoje. Vejo que esse tipo de praxe ainda existe. E não me fere que continue a ser realizada, porque continuo a achar que é uma forma divertida de incluir o novo estudante e de lhe dar a conhecer a cidade. A esse tipo de praxe tem-se vindo a juntar, paulatinamente, uma praxe com cariz mais solidário (apanha de batatas posteriormente entregues ao Banco Alimentar, tarefas em instituições sociais, entre tantas outras). Sou a favor de ambas e penso que ambas podem ser aplicadas na mesma instituição universitária. E penso, efectivamente, que a vida académica é marcada por muitos e bons momentos. A praxe pode e deve ser apenas o início desses bons momentos.