Um país neutro em carbono em 2050

Daqui a três décadas, de que será feita a pegada carbónica de quem viver em Portugal? A previsão é de cidades com melhor qualidade do ar e electricidade toda de fonte renovável, mas também um clima “bem mais quente”. Uma crónica de Francisco Ferreira, presidente da ZERO.

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REUTERS/Christian Hartmann

Estamos a 4 de Setembro de 2050. Tem sido mais um Verão quente com ondas de calor que fazem a temperatura máxima chegar por vezes aos 50 graus Celsius. Apesar dos alertas desde o início do século sobre os impactes das alterações climáticas e das consequências que já na altura eram visíveis, o mundo demorou demasiado tempo a reagir e a libertar-se do uso intensivo dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão). Apesar da enorme redução de emissões de gases com efeito de estufa que se conseguiu graças à aplicação muito extensa dos princípios definidos em 2015 com o Acordo de Paris, muitos países não traçaram metas suficientemente ambiciosas e o aumento de temperatura não se ficou por 1,5 graus Celsius em relação à era pré-industrial. Agora, a resiliência do clima implica termos ainda algumas décadas pela frente para a temperatura global estabilizar e começar a descer.

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Estamos a 4 de Setembro de 2050. Tem sido mais um Verão quente com ondas de calor que fazem a temperatura máxima chegar por vezes aos 50 graus Celsius. Apesar dos alertas desde o início do século sobre os impactes das alterações climáticas e das consequências que já na altura eram visíveis, o mundo demorou demasiado tempo a reagir e a libertar-se do uso intensivo dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão). Apesar da enorme redução de emissões de gases com efeito de estufa que se conseguiu graças à aplicação muito extensa dos princípios definidos em 2015 com o Acordo de Paris, muitos países não traçaram metas suficientemente ambiciosas e o aumento de temperatura não se ficou por 1,5 graus Celsius em relação à era pré-industrial. Agora, a resiliência do clima implica termos ainda algumas décadas pela frente para a temperatura global estabilizar e começar a descer.

Portugal foi dos países que no final da década de 2010 fez a diferença ao traçar um objectivo de atingir a neutralidade carbónica em 2050, isto é, assegurar que na contabilidade nacional das emissões de gases com efeito de estufa, há um balanço neutro entre as emissões dos diferentes sectores (produção de electricidade, transportes, processos industriais, agricultura, resíduos, entre outros) e a capacidade de retirada de carbono, nomeadamente através da floresta. Em boa altura, e porque os valores por vezes superam alguns milhões de euros que o Estado queria arrecadar, levou à revogação da licença de exploração de petróleo frente a Aljezur.

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Reuters/Yiannis Kourtoglou

Um dos termos surgidos na década de 90 do século passado para avaliar a procura de recursos necessários para suportar a população e a economia foi o da pegada ecológica, calculando-se uma hipotética área necessária para anualmente fornecer os bens utilizados por exemplo por uma pessoa ou por um país. Infelizmente, se considerarmos um uso médio por cada habitante percebemos que os recursos renováveis já não são suficientes e que precisamos de 1,7 planetas. Este conceito transposto para as alterações climáticas traduziu-se na denominada pegada de carbono que representa a quantidade total de emissões de gases com efeito de estufa, incluindo assim não apenas o dióxido de carbono que habitualmente é o que tem maior expressão associado à queima de combustíveis fósseis, mas também o metano, o óxido nitroso e os gases fluorados. O cálculo tem habitualmente, tal como na pegada ecológica, uma base anual e está associado a um indivíduo, a uma empresa, a um evento ou a um produto.

A vida é realmente diferente de 30 anos atrás. Em 2016, a pegada carbónica de cada português rondava as 6,5 toneladas por ano de dióxido de carbono equivalente. Um quarto deste valor estava associado à produção da electricidade, em parte por centrais a carvão que encerraram no início da década de 2020. Os transportes representavam um outro quarto onde o transporte rodoviário era responsável por 96%. Também é verdade, que todas as emissões de navios e aviões entre Portugal e o resto do mundo não eram associadas a nenhum país e apresentavam um enorme crescimento. A pegada carbónica é agora de apenas 1,2 toneladas, emissões que são compensadas por uma floresta diversificada, melhor ordenada e por isso mais resiliente aos incêndios.

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Apesar de na altura já se baterem alguns recordes no uso de fontes renováveis, a electricidade em Portugal é actualmente toda proveniente de fontes renováveis, com particular incidência para o solar no verão e para a hídrica e eólica no inverno. Aos parques solares que ocupam vastas áreas de solo menos produtivo, principalmente no sul do país, associam-se telhados e novas habitações onde as células fotovoltaicas já quase não se distinguem da pintura das paredes. As barragens e as inúmeras baterias de alto rendimento e integralmente recicláveis são fundamentais para assegurar uma utilização cada vez mais eficiente da energia eléctrica que é agora a enorme fatia da energia final.

A mobilidade é agora radicalmente diferente: é um hábito partilharmos um carro eléctrico autónomo, a maioria com bateria e alguns a hidrogénio, e que nos leva ao comboio onde no final da viagem para o trabalho podemos aproveitar uma bicicleta eléctrica partilhada não muito diferente das que começaram a ser visíveis em 2018 em diversas cidades portuguesas. As cidades têm agora muito menos ruído e melhor qualidade do ar.

O desenho dos produtos é extremamente rigoroso para garantir o mínimo uso de recursos e o máximo de aproveitamento no contexto de uma economia circular que ainda tem algum caminho a percorrer mas que tem permitido reduzir emissões. Grande parte dos alimentos é produzida localmente e os portugueses perceberam que a qualidade de uma vida cada vez mais longa com um planeta ameaçado pode ser excelente com um menor consumo.

Os bens vindos de longe são bem mais caros porque, apesar do uso de biocombustíveis agora já produzidos a partir de resíduos florestais e algas, não concorrendo com a produção alimentar, não preenchem todas as necessidades, sendo este o sector onde o recurso a combustíveis fósseis, apesar de estar a recuar, ainda persiste. Tal como décadas atrás, há ainda uma fatia considerável de emissões que está a ser assumida por outros países que não o nosso, outrora denominados como em desenvolvimento, na fabricação de vários produtos que compramos.

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Neste ano de 2050, através da sétima revisão quinquenal dos compromissos estabelecidos pelo Acordo de Paris, espera-se atingir a neutralidade carbónica à escala global antes de 2100. Muito está ainda por fazer e os custos de viver num clima bem mais quente e modificado têm feito muitos países perceber nas últimas décadas a inevitabilidade de um caminho rigoroso de redução de emissões que infelizmente tardou em acontecer.

*Presidente da Associação Ambientalista Zero

Para a série Futuro Sustentável, o PÚBLICO convidou individualidades de organizações reconhecidas nas suas áreas que nos contem o que se prepara para o tempo da próxima geração.